O estacionamento lá na rua é parco e o pessoal safa-se como pode. Há uma espécie de acordo implícito entre a população e a polícia (que passa lá bastantes vezes): desde que os carros não estejam a impedir entrada e saída de viaturas, nem a prejudicar a acessibilidade de todos às respetivas casas e contanto que haja espaço suficiente no passeio para qualquer um passar (muito à larga, por exemplo: 4 pessoas de mãos dadas, vá), ninguém chateia ninguém por usar lugares criativos. Criatividade, compreensão e educação. Que bairro pacífico, onde todos viviam felizes e com os carros pacificamente imobilizados.
No entanto mudou-se para lá agora o Super-Estacionador, guarda auto-nomeado dos lugares do bairro e ruas em geral. Marca a saída da garagem dele com pinos, muito a tender para a largueza, como se lá arrumasse um camião TIR (ou dois, geminados) e não um veículo normal. Se um carro, que estacione atrás ou à frente da sua passagem estiver dois milímetros dentro da sua zona delimitada (deixando espaço apenas para um-camião-e-meio) conseguimos ver a 1km de distância as chamas do seu olhar furibundo e ouvir as suas ameaças "AO PRÓXIMO QUE DEIXAR AQUI O CARRO, FURO-LHE OS PNEUS".
E diz o Moço, com a calma que o caracteriza: - Mas se furar os pneus ao dono, não fica aqui com o carro a estorvar-lhe mais tempo?
Eu sei que devia trincar a língua por dizer isto, que são os transportes públicos que têm que melhorar e os idosos precisam de ter mobilidade na cidade, mas caramba, quem mal se aguenta de pé, também devia saber que não pode tentar a sua sorte na Carris.
Uma senhora de idade entra no autocarro e dirige-se a um lugar vago. Nisto, o motorista arranca (porque não pode esperar até Novembro) e ela quase vai de boca ao chão. Uma mulher solícita (vamos chamar-lhe Zulmira) que ia a passar ouve os gritos estridentes da velhota ("AGARRE-ME QUE EU VOU PARTIR O BRAÇOOO, AI, AI, AI, AI") segurou-a e ajudou-a a sentar-se no banco, direitinha e bem segura. Não saiu de perto dela enquanto não estava instalada.
A senhora sentou-se e começou num pranto. Ai que já ia partindo o braço outra vez. E que o motorista era um animal. Que nunca ninguém a ia calar. E que foi Deus que a salvou.Foi Deus, foi Deus, chorava ela em lágrimas secas tão fiteiras que eu sentia a fita a dois metros que estava dela. Um grito pela atenção que precisa, juro que percebo, mas quanto mais ela falava e disparava em todas as direções, mais eu perdia a pena. Foi Deus, Deus não me abandona, continuava ela.
Foi Deus? Ora porra, foi a Zulmira, que eu bem vi. Só que a senhora, no meio de tanto berro, lágrima de crocodilo e protesto (entretanto já berrava contra os políticos) só se esqueceu de berrar um "obrigada" à Zulmira. Logo uma senhora tão apoquentada com a falta de educação do motorista.