Se eu acho que se consegue ver um lado positivo numa pandemia? Meus senhores, até um teste de HIV consegue ser positivo! (perdoem-me a (des)graça, mas ja estou em casa há 9 dias).
Eu sei que não estamos em condições de brincar (muito) com isto e ver coisas boas numa tragédia que ainda vai piorar antes de melhorar...bem, pode ser doentio. Mas também pode ser o que nos mantém à tona, de olhos postos na bonança que vem depois da tempestade. Portanto vamos esquecer só por um bocadinho a contagem de infeções e falecimentos, que alguns acompanham com o mesmo fascínio com que puseram em repeat as imagens dos aviões a irem contra as torres gémeas.
Vamos a 5 Coisas Boas que podem resultar desta Coisa Muito Má:
1
Fomos todos ao fundo da despensa e usámos o que havia por usar. Até aprendemos que há coisas cuja validade passou há 7 anos que empurrando com água ainda não custam muito a engolir. Se queriam minimalismo, aí têm o minimalismo nas ventas. Reduzir, reutilizar (e deixa a reciclagem para depois, que não convém ir muitas vezes ao lixo agora). Conseguem viver com pouco ou não conseguem? Tanto nas receitas, como nas compras já aprendemos que com menos se pode fazer mais. Deuzajude a manter essa aprendizagem. Até porque vamos precisar ao descobrirmos que afinal não eram os T0 sem WC a 1500€ que iam fazer ruir a economia. Covid19 - 1, Especulação Imobiliária - 0.
2
Vá, levante a mão quem tem falado muito mais com os amigos e familiares nesta fase do que antes. Vá, quero ver. Pois é. Afinal até gostam das pessoas, não é? Até sentem falta. Queixam-se da sogra, mas não querem que ela morra e ralham para que não vá à frutaria. Afinal era chato ir almoçar todo o santo Sábado e Domingo a casa dos pais (não façam isso), mas davam agora a unha do mindinho por esse privilégio. Se calhar até aturavam mais uma festa de criança ou duas...
3
O que é aquilo? Ah, é a água límpida dos canais em Veneza. E aquilo, será uma lata de sardinhas? Não, é um golfinho. Afinal não era preciso deixarmos todos de comer carne para melhorar o ambiente, só era preciso um vírus altamente contagioso à escala mundial. MUITO mais fácil. Ganhamos todos consciência do impacto ambiental que têm os nossos carrinhos todos os dias, os nossos hábitos de consumo...percebemos que sim, claro que devem ser criadas regras que limitem cargas de turismo que roubam a genuinidade de um determinado local. E olhem que eu digo isto com espinhos no coração, porque quem me tira uma viagem, tira-me tudo e um par de chinelos (antes era botas, mas agora a vida em casa não se presta a isso).
4
O pessoal que andava todo a gozar com o André Sardet por ter músicas minhoquinhas agora até se pela por um solo dele ao vivo nos Stories às 22h (quando acabar de bater palmas na varanda, claro). Isto para dizer que vocês, sim VOCÊS (e se calhar eu) acham que a cultura e a arte são secundárias. É verdade que não comemos arte, não limpamos a casa com arte, não vestimos arte, não pagamos as contas com arte (embora às vezes seja preciso dar música) e também não estou a dizer que a arte é tão importante como o papel higiénico, para empilharmos músicos, cineastas, comediantes ou escritores na marquise para ir gastando nos próximos 2 anos. Mas se calhar a única coisa que estamos a acumular tanto como papel higiénico nesta fase é precisamente arte. Consumimos filmes, lemos livros, ouvimos música, rimos com stand up. E se calhar é isso que nos mantém sãos. E se calhar afinal até justifica baixar o IVA na cultura que não é um bem de sobrevivência, mas nos mantém vivos. Também aprendemos a valorizar enfermeiros (levante a mão quem em 2019 se riu das reivindicações deles), o pessoal dos supermercados, das limpezas, dos transportes, enfim. Se calhar a partir de agora não desdenhamos de ninguém, não vá o corona tecê-las.
5
Sem dúvida estamos a aprender mais sobre nós. Os nossos medos, as nossas prioridades, a nossa capacidade de resistência e convivência. O nosso altruísmo ou egoísmo. Eu, por exemplo, já aprendi que devo ter uma costela de psicopata por não estar em pânico com toda esta situação, o que apesar de inútil, seria o mais normal. No entanto tenho talentos para compensar, como conseguir estar quatro horas e meia seguidas na mesma posição sem ficar completamente dormente. Também aprendi que passados 9 dias de uso contínuo sem lavar, o meu roupão se aguenta de pé, mas ainda não cheira mal. Estou a brincar, pessoas. É claro que cheira mal.
Dois bónus muito especiais:
6. Oportunidades de carreira: Para os profetas da desgraça que acham que vai ser só despedimentos e crise económica, saibam que este vírus é também uma incubadora de carreiras. Por exemplo: ladrões de arcas congeladoras. Os meus pais num dia tinham a arca congeladora com carne, no outro dia, PUF, não tinham. Minto. Tinham metade. Que isto ainda são estagiários de certeza e não conseguem dar conta de tudo. Profissões novas têm sempre uma fase de adaptação.
7. Uber Eats em Espinho: Ainda no outro dia dizia a uma amiga que não tinha Uber Eats em Espinho. Mas o Corona não traz só tosse, febre e dores. Ai, não. Trouxe Uber Eats para Espinho. Agradeço muito e apesar de de momento também estar a evitar entregas em casa porque acho mais um contacto dispensável (não estou em pânico, mas sou rigorosa, vêem?), serei uma boa cliente no futuro. Sinto que vamos ser amigos e que devia já ter um cartão para picar.
Deixem também as vossas sugestões e descobertas: que Coisas Boas advirão desta Coisa Muito Má?
E se possível, não se ofendam com o texto. Mas se precisarem de destilar algum tipo de frustração nesta fase difícil, ofendam-se sim, que deixo a caixa de comentários à vossa disposição. Estamos cá uns para os outros. E assim já posso dizer sou altruísta.
O Moço comprou pela primeira vez uns ténis (na verdade, agora voltei a dizer sapatilhas) da Skechers. Ele que tem uns pés mais problemáticos que o governo italiano viu-se calçado com algo que não o magoava de maneira nenhuma e de bónus ainda era muito confortável. Isto, pela primeira vez em muito tempo.
Foram comprados há pouquíssimo tempo mas ele usa-os non-stop, como aquelas crianças que vão para o ballet e até querem dormir com os seus sapatos de pontas e tutu, desprezando todas as outras opções da sapateira. Talvez por isso, estão a descolar num dos lados. O que apesar de tudo não é muito aceitável para o preço e tempo de uso. Pelo que, mesmo sem encontrar o talão da compra, fomos à loja para ele perguntar o que se podia fazer.
A senhora, muito solícita, explicou que mesmo sem talão poderia deixar na loja os sapatos e um comprovativo bancário do movimento de compra, para apresentar a reclamação, enviariam tudo para a central e em alguns dias teria resposta.
E pergunta ele, muito apreensivo:
- E dão-me outros para andar enquanto avaliam a reclamação?
Clips de vídeo que consistem em pessoas a sorrir para a câmara com bigodinhos e orelhas de gato (ou cão), enquanto balouçam a cabeça para a esquerda e para a direita. Vamos falar sobre isto?
Eu sei que falo porque sou uma invejosa: não tenho o tipo de beleza que me permite ostentar bigode. Isso está reservado para as mais fortes: aquelas que até a fazer caretas são bonitas. Agora, em podendo, em sendo dessas que ficasse sexy com orelhas a despontar do cabelo, ou estrelinhas a cintilar nas bochechas, ou (literalmente já vi isto) um chifrinho de unicórnio colorido a enfeitar-me a testa, continuo sem ver o propósito.
Parece a regressão evolução da selfie. "Agora estou farta de ser bonitinha numa foto vou ser bonita e balouçar ligeiramente o tronco e o pescoço enquanto pespego troços de cartoon em cima de mim."
Não consigo deixar de imaginar a conversa entre quem se lembrou disto e quem aprovou a ideia, possivelmente o pessoal do Snapshat, agora migrado para o Instagram Stories:
Inventor: Então chefe, agora a ideia era máscaras flutuantes para as pessoas parecerem gatinhos ou outros animais. Com olhos gigantes! Ou terem tipo setinhas de cupido a atingir-lhes a cara e corações a sair da boca em jeito de arroto…
Chefe: Humm…isso é só parvo. Que mais tens?
Inventor: Há aquela ideia antiga de as pessoas terem de resolver um problema matemático para verem cada post, para incentivar o raciocínio...
Chefe: Ó Costa*, isso não nos convém. Que mais?
Inventor: Temos a hipótese de integrar aquela funcionalidade que mostra como fica o mesmo prato de comida publicado ao fim de três meses para combater o excesso de publicações do género alimentício. Ou um filtro para vegans que sobrepõe alternativas vegetais às imagens de postas mirandesas**. Ou podemos repetir a ação de curar uma doença nefasta por cada like.
Chefe: Diz lá qual era a primeira outra vez?...
Inventor: Cenas na cara…
Chefe: Epá, parece-me brilhante. Põe isso. Pelo menos as crianças vão gostar. E se não pegar dizemos que foi uma daquelas ações de charme em que a empresa põe os filhos dos funcionários a ter ideias. A imprensa vai adorar. A NiT já partilhou e tudo.
Inventor: Ok, chefe. Mais alguma coisa?
Chefe: Olhos gigantes. Faz isso aumentar os olhos das pessoas. A minha mulher tem os olhos encafuadinhos na cara, pequeninos e malinos e faz-me espécie. Cada vez que olho para as pessoas de olhos pequenos parece que a oiço refilar comigo. Tratas disso?
Amiga:Olha, o meu sobrinho a dar a sua primeira cambalhota. O meu irmão acabou de me enviar.
Maria:Que giro. Mas...cambalhota...ao Domingo? Onde é que ele está?
Amiga:Sim. Está numa festa de aniversário que é um ginásio para bebés.
Hein? Ginásio para bebés? Como festa?
Eu já me tinha apercebido que o antigo "juntar a família para um lanchinho simples, brincar e soprar as velas no fim" estava fora de moda nos aniversários de criança. Mas, aparentemente, agora, até alugar um espaço fancy, decorá-lo até ao teto com o desenho animado do momento e fazer cupcakes a condizer é tão 2016!
Não bastava a loucura do exercício e das maratonas tomar conta de todos os adultos, agora os bebés também têm de ser fit?
Do género: o palhaço e o mágico das festas infantis foram substituídos por um personal trainer e a Rosa Mota? O bolo virou papas de aveia? As gomas tornaram-se granola? Bebem batidos verdes em vez de sumos? As lembranças para os amiguinhos são voucher de desconto no Solinca? Oh céus, que cedo se perde a inocência na vida.
Festa no ginásio, minha gente? 'Tou fora. Seja criança ou adulto, não contem comigo para isso. É que já estou a ver isto a virar tendência junto dos mais crescidos também. Uma amiga, há uns anos, quis participar com o resto do grupinho na Corrida da Mulher em Cascais pelo seu dia de anos e levei a coisa como um caso isolado, de contágio controlado. Vejo agora que foi só o início de um fenómeno bastante mais grave a dar-se à escala mundial.
E se consigo compreender que a saúde no geral é uma boa tendência (comparando assim com...ténis de salto alto ou selfie sticks), pelamordedeus ao menos salvem-me as festas de aniversário! Para onde vai a frase "é só hoje" relativa à facadinha na dieta se vamos substituir as celebrações por eventos para mexer o rabo?
O que se seguirá? Futebol de salão em vez de trocar prendas no Natal? Dia do bolinho ou pão por Deus em cycling - por cada 10 quilómetros recebes uma merenda de aveia? Aula de aeróbica na Páscoa (mexam-me esses ovinhos!)? Pensem nisto...E digam-me se é o que desejam para o vosso futuro.
O Moço reencontra um amigo. Para o propósito da história convém dizer que ele se desloca em cadeira de rodas, não sei exatamente se fruto de um acidente ou nunca pode andar, mas o Moço já o conheceu assim.
Amigo: Então tudo bem?
Moço (sem pensar): Vai-se andando.
(Andando, Moço?? Do verbo andar?? O que lhe valeu foi o sentido de humor do outro...)
Amigo: Tenho de começar a dizer o mesmo!
Não te preocupes, Moço. Toda a gente falha, às vezes.
Depois de ver uma foto de uma bebé de uma amiga, que está cada vez mais gira (a bebé, que o raça da amiga sempre foi giríssima) quis elogiar entusiasmadamente a filhota. O meu comentário? Um "lindona" com pontos de exclamação.
Isso era se o auto-correct do telemóvel e a minha desatenção não se unissem para me fazer parecer bem.
Portanto o que se vê na conversa do grupo é uma foto de uma bebé muito pequena e bonita e a seguir o meu comentário entusiasmado, que soa a aviso:
O Moço anuncia que ouviu uma música na rádio que descreve perfeitamente a nossa relação. Pus-me logo a pensar que balada romântica seria. Talvez uma versão moderna do clássico "She" ou uma música melosa do Bryan Adams. Qualquer coisa digna do Moulin Rouge. Ou uma música portuguesa de voz doce e poesia afinada - Rui Veloso?
Queria agradecer aos meus pais, ao meu agente (eu), e aos verduscos mais fofos cá do bairro que me atribuiram um Óscar do LOL pela minha obra relativamente ao síndrome do óculo ordinário. Deixo ainda uma palavra aos restantes vencedores - todos eles merecedores de puras gargalhadas, com textos sublimes a serem lidos. Tenho bastante certeza que não há Nobel da escrita que alguma vez possa ganhar que ultrapasse esta honra, quando ainda sou apenas uma desconhecida cidadã do mundo - muito embora tenham posto logo de lado a entregas de estatuetas, o que acaba por ser de mau gosto. Continuarei na luta pelo movimento #progargalhada e é bom ver assim reconhecidos os meus esforços.
E juro que, hoje em particular, estou vestida a rigor para a passadeira vermelha - as orelhinhas não me deixam mentir. Talvez não seja a fatiota mais apropriada para uma blogger premiada...mas quem manda escolher a menos in?...