O meu pai tem um telemóvel novo.
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Precisava dos ovos à temperatura ambiente para fazer um bolo. O meu pai disse que os aquecia. Temi omeletes no sofá.
Compraste isso? Achei que isso era velho...que a senhoria tinha deixado aí e ias devolvê-lo. Não combina com nada. O amarelo desta almofada nem sequer é igual. Pronto, está bem. Como queiras. Mas não fica nada bem.
O meu pai perdeu-se no IKEA.
[Claro que demorou 40 minutos a voltar ao pé de nós, mas nunca assumiu que tivesse estado perdido.]
O meu pai sempre foi o homem mais trabalhador que conheci, apesar de isso se ter traduzido em muito poucos tostões ao longo da vida (um homem honesto neste país não chega a lado nenhum, diz ele com amargura). A única folga semanal chama-se Sábado e esteve largos anos sem saber o que era isso de tirar férias. Por isso, eu e a minha irmã, num 1 de Maio qualquer, decidimos dar-lhe uma prenda, penso que era um CD de fados. E ele? Ficou mal disposto, porque achou que estávamos a gozar com ele. Neste 1 de Maio não há dúvidas: só a mãe é que recebe prendas.
O meu pai foi renovar a carta de condução.
Quando foi tirar a foto a senhora disse-lhe, depois da primeira tentativa: tem de abrir os olhos que ficou com os olhos fechados.
Ele abriu bem os olhos.
Já tem a carta com ele. A foto é qualquer coisa parecida com isto:
Juro. Parece maluquinho. E quero vê-lo a mostrar aquilo ao primeiro policia que o mande parar.
Nem sequer estou a exagerar. Quem exagerou foi ele.
Quando uma pessoa deixa as chaves dentro de casa e fica cá fora diz que ficou fechado na rua.
Fechado? Rua? Ar livre? Toda a superfície livre do planeta terra? Ficamos fechados é se conseguirmos entrar.
O meu pai descobriu recentemente algo que eu até já tinha revelado ao mundo, mas muitos fizeram orelhas moucas: o bolo do caco é pão.
Sem prejuízo da fama, porque é um pão maravilhoso, a designação é que está meio como aqueles comprimidos de alcachofra para emagrecer (é publicidade enganosa).
Se há coisa que o meu pai, criado no campo com uma parga de irmãos e comida muito tradicional, gosta pouco é de experiências culinárias. Nunca na vida tocou numa pizza, só vai ao McDonalds buscar gelados e nem quis saber de Bolo do Caco quando lho apresentei lá em casa.
Em todo o caso, para teimoso, teimosa e meia (eu e a irmã mai'nova). Portanto lá se viu coagido, no sentido mais ternurento que a palavra possa ter, a provar o bolo do caco.
E juro-vos que foi uma cena daquelas que o dinheiro não paga. Ele repetia a cada trinca, quase a cuspir (as palavras, não o pão) "mas isto é pão! Estão a brincar comigo? Isto é pão!". Isto com os senhores que lhe venderam o dito "Bolo" a olhar (já com medo que ele os processasse, aposto, tamanha era a indignação). E ele repetia "Isto é pão!". Não é que não tivesse sido avisado.
O meu pai queria bolo. É que, à medida que os anos passam, ele tem ficado mais guloso. Ficaremos todos?
Hoje esperei - literalmente - horas para almoçar com um amigo. Esperei tanto que já nem estavam a servir refeições no tasco da esquina onde combinamos. Já sentados, a devorar dois pregos ensossos e um cachorro em pão ressequido, ele diz-me:
- Isto está mesmo bom, não está?
A provar que tudo na vida é relativo. Bem me dizia o meu pai quando eu recusava "pão de ontem": hás-de querer pão com bolor para comer e não o terás.
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