Engraçado como tentamos dar significado a tudo o que acontece nos primeiros dias ou horas de cada ano novo. Se encontramos um cêntimo no chão vai ser um ano de sorte, se partimos um copo vai ser um ano complicado. Começa bem! Ou: começa mal! Isto é bom ou mau prenúncio.
Ainda há quem diga que cada um dos doze primeiros dias do ano lança o mote para cada um dos doze meses. O que para muita gente significava só que Janeiro ia ser um mês de ressaca e Fevereiro ia ser um mês pouco produtivo no trabalho.
Cerca de 110% das pessoas gosta de contemplar o mar logo no primeiro dia, vendo qualquer coisa maior nas ondas do que a hipótese de afogamento. Um infinito qualquer. Uma liberdade qualquer. (Eu escolho antes a liberdade de desejar um bom ano do sofá com mantas, que sossego é que o mais quero para o resto de 2018.)
São dias de fazer planos e implementar resoluções que vão durar cerca de uma semana e meia.
E não há problema nenhum em nada disto. Não há problema nenhum em querermos forçar simbolismos e energias renovadas, mesmo que não passem de ilusões passageiras e crenças que a passagem de uma hora do dia 31 de dezembro para a outra do dia 1 de janeiro vai mudar alguma coisa. Porque independentemente do que acontece no futuro, o que importa é a forma como vivemos o presente. Se for com um sorriso de esperança nos lábios, tanto melhor.
Algumas das melhores e das piores coisas que me aconteceram na vida, estiveram junto às doze badaladas. Não sou supersticiosa, não acredito em sinais, no destino, em azares (mas acredito em sortes). Cada data tem a importância que lhe damos e o que a preenche não depende do que aconteceu antes, mas do que fazemos agora que prepara a cama para depois.
Ainda assim, lá estou eu, há 11 anos atrás, de camisola de lã cinzenta, em casa da minha tia, sem saber do meu avô no hospital (que diferença havia de fazer aquela noite?). Eu a bater tachos com colheres de pau para fazer barulho. Ainda assim, lá estou eu, há 3 anos atrás, a seguir viagem para a Serra da Estrela, ao encontro de muitas pessoas que viriam a ser bons amigos e uma em particular que viria a ser a minha pessoa.
Ainda assim , aqui estou eu hoje, sem nunca esquecer. A tentar convencer-me que a passagem de ano é só uma noite como as outras.
Já têm cuecas novas para a passagem de ano? Maria das Palavras não tem sequer um ossinho supersticioso no seu corpo, mas acha que qualquer desculpa é boa para ter lingerie nova.
Até vinha a calhar que passasse. Que eu acreditasse que do 31 para o dia a seguir, algures entre o champanhe e as passas (e eu que não gosto de nenhum!), há um filtro, um coador de café, mas grande - para a vida. O grão ficava preso em 2014 e só passava o que há de mais fino e suave - os sonhos e os sorrisos que não se apalpam mas se sentem.
O ano novo não traz nada de bom - pelo menos nada que nós não possamos trazer a cada dia do ano, sem ajuda do calendário e fogo de artifício à volta do mundo, ao bater de cada hora, em cada lugar.
As coisas boas, como as coisas más, não trazem data marcada e não sabem quando vestir lantejoulas para a festa.
Há dez anos atrás, quando o meu avô morreu de 31 para o dia a seguir, o ano não passou. E desde aí que os anos não passam na contagem decrescente de um minuto de Dezembro para outro em Janeiro. Passam nesse ou noutro dia qualquer quando a minha história muda para melhor. Conto que o ano passe algures em 2015, para mim e para os meus: que o calendário vire, dia circundado a vermelho vivo numa semana qualquer. Mesmo que não seja na noite em que o mundo todo o quer celebrar. Mesmo que seja em todos os dias menos neste.