Esta é a minha hipótese: humor, ou sentido de humor, é, na verdade, um modo especial de olhar para as coisas e de pensar sobre elas. É raro, não porque se trate de um dom oferecido apenas a alguns escolhidos, mas porque esse modo de olhar e de raciocinar é bastante diferente do convencional (às vezes, é precisamente o oposto), e a maior parte das pessoas não tem interesse em relacionar-se com o mundo dessa forma, ou não pode dar-se a esse luxo. (...)
Trata-se de entender as pessoas, os objectos, as ideias, a linguagem como brinquedos, feitos de peças que é possível organizar de outra forma, acrescentar, subtrair, deformar, virar ao contrário, pôr noutro sítio.
O mestre Ricardo Araújo Pereira n'Uma espécie de manual de escrita humorística chamado A doença, o sofrimento e a morte entram num bar.
E o Ricardo Araújo Pereira e os comentadores de futebol carismáticos e o Luís Freitas Lobo (pronto, não adoro o Lobinho, mas tenho-lhe uma simpatia porque já o conheci pessoalmente e tem uns olhos azulinhos de respeitar)...deliciei-me com esta crónica da Visão.
(...) Acompanho com muito interesse as experiências linguísticas do comentário desportivo, e deve registar-se que Freitas Lobo tem contribuído para a consolidação de todos os grandes lugares-comuns sintácticos. É, por exemplo, um ilustre cultor da nova moda que consiste em falar com o verbo no infinitivo. Dá gosto ouvi-lo declarar: "Em primeiro lugar, dizer que Minhoca fez um grande jogo pelo Paços de Ferreira", ou "Antes de mais nada, dedicar este comentário a quem ama verdadeiramente o futebol."
O problema é quando Freitas Lobo resolve ser original. A sua mais recente inovação poética consiste na aplicação da seguinte fórmula: "O [inserir nome de jogador] é um [inserir metáfora] em forma de jogador de futebol." Alguns exemplos célebres são "Ribery é uma carraça em forma de jogador de futebol", "Rooney é um pugilista em forma de jogador de futebol", "Matuidi é um alicate em forma de jogador de futebol" (...)
A minha preocupação aumentou quando vi o próprio Freitas Lobo confessar, na contracapa de um livro, que tinha como objectivo "descobrir Sheakespeare em Bobby Charlton". Nem o facto de Shakespeare estar mal escrito me sossegou: este homem queria mesmo estragar o futebol com alta cultura, e não seria uma gralha a redimi-lo. (...)