Quando saí de Leiria perdi o 22 de Maio (que era um simples feriado municipal) e ganhei o 13 de Junho e uma tradição que nunca tomei por minha. Fui ao Santo António algumas vezes (prometi sempre que seria a última) e desde a primeira, que acabou comigo encerrada num elevador avariado às seis da manhã, à ultima, a comer sardinhas sobrevalorizadas num tasco de Carnide, nunca lhe tomei o gosto.
Agora venho para norte, contente por me livrar disso, ao menos. Quando me deparo com o terror. Já vi à venda no Continente da terra martelos (MARTELOS) para o São João. Já ouvi aconselhar o alho porro para fugir às marteladas na cabeça, por meio do seu aroma (des)agradável. Como explicar isto de forma civilizada? Se casamentos de grupo e cerveja nos pés não faziam o meu género mais a sul, marteladas na cabeça a norte também não entram o meu programa ideal.
Digo aos Santos, o mesmo que os rapazes dizem às miúdas em quem não estão assim tão interessados: o problema não são vocês, sou eu. Mas estão à vontade para me encher a caixa de comentários com motivos para se adorar qualquer uma das celebrações (e ofensas várias por não ser o caso).
O 13 de Junho já passou mas durante o mês todo há arraiais e juntei um cestinho de coisas necessárias para ir aos Santos, com base na minha experiência deste ano e dos anteriores:
1. Botins (biqueira de aço opcional)
O tempo até pode convidar à chinelinha e a calçada irregular até pode convidar ao ténis, mas não se deixem enganar. Vão ser todos pisoteadinhos e vão-vos entornar cerveja em cima.
2. Spray Pimenta
Essencial quando a música toca e alguém perto de nós quer começa a tentar dançar o esquema. Spray pimenta no focinho antes que o movimento pegue e tenham um arraial inteiro a repetir esse ritual satânico.
3. Voucher para terapia
Perdoem-me mas é impossível não querer cheirar diretamente o manjerico, qual pôr aroma para a mãozinha? Claro que depois toda a gente à tua volta te acusa de seres uma assassina de manjericos. Traumático. Terapia.
4. Sandes mista
Quanto mais agitada à noite e badalado o local, mais cara e crua é a sardinha. Também já apanhei bifanas gordurosas, farturas moles e algodão doce que já sai da máquina a derreter mais que as caras naquele filme do Indiana Jones. Na dúvida, deve sair-se de casa de barriga cheia e levar bucha para o caso da fome bater mais tarde.
5. Febreze
A sardinha até pode sair crua mas o cheiro da sardinha assada está por todo lado. Não sei se isto ainda se vende cá mas lembro-me que era um produto inodoro que tirava qualquer tipo de cheiros de todo o lado, é só borrifar. Se encontrarem, levem recargas. Senão estão a comer sardinha desde que chegam até chegarem a casa. Sem espinhas.
A minha primeira experiência nos santos populares de Lisboa foi o ponto de partida que determinou o tom para todas as outras: era uma sexta-feira 13, comemos pouco e fomos muito apertados, acabou comigo a ficar presa no elevador do prédio às seis da manhã e uma sirene de bombeiros a acordar a vizinhança toda.
O problema nem são as sardinhas a preço de ouro e sem a qualidade a que uma pessoa originária de Leiria, ali a um passinho da Nazaré e das suas peixeiras das sete saias, está habituada. O problema é que toda a população de Lisboa acha que cabe ali naqueles talvez 2 km quadrados, quando durante o resto do ano, é preciso um distrito inteiro para as albergar.
Não me interpretem mal, um aperto bem dado lá calha bem, mas apalpões de estranhos sujos com molho de sardinha, enquanto se sobe a Bica já dispenso. Uma música popularucha anima o espírito e sou capaz de largar a brejeira que há em mim e ensaiar um passo de dança, mas é preciso que consiga dar pelo menos meia roda sem cair em cima da senhora das farturas.
Ainda assim, todos os anos me convencem a revisitar esta experiência. Parece-me que as outras pessoas também não gostam de ir aos Santos, mas não admitem: então tentam levar toda a gente para não sofrerem sozinhas. Ou será uma questão de se rodearem de amigos para não serem apalpados por estranhos? Qualquer coisa deste género...
Eu, que sou alfacinha emprestada há mais de dez anos e venero esta cidade que é Lisboa, assumo que esta parte bairrista que desce a Graça e desfila na Avenida, para mim não marcha. E nem me ponham a falar dos casamentos de Santo António...