Se eu fosse...
Uma das rubricas deste blog que me dá mais gozo escrever é o Diário de Um Caracol - o Martim. E não é só porque posso dar azo à minha veia non-sense e exagerada, comentando a atualidade de forma leve e livre de polémicas (quem é que se vai chatear com o nível de cultura ou opinião de um caracol ranhoso?). Também é porque me leva de volta à escola primária.
Nessa altura eu não era de todo a menina mais bonita da escola, com os meus óculos de massa e conjuntinhos tricotados pela avó. Mas tinha muitos amiguinhos e alguns mini-pretendentes por ser a menina “mais esperta”. Parece que é cedo, quando somos crianças, e mais tarde, quando já somos todos maduros, que o interior é mais valorizado. Ali no meio, algures por entre as hormonas, esse raciocínio está toldado. Nunca durante a adolescência, dois rapazes andaram à bulha por mim na sala de aula. Na escola primária, chegaram a ser três.
Além disso, acreditava que ia ser escritora a cada elogio da professora às minhas composições. E ter-se a certeza absoluta que se é mesmo bom numa coisa (a certeza das crianças e dos tolos) sabe a vinte pirulitos.
As minhas composições favoritas eram as “Se eu fosse”. A professora escolhia algo para completar a frase e nós libertávamos o lápis. Ainda hoje me pergunto (mas nunca perguntei a ninguém) se é um exercício de escrita comum ou coisa dessa minha professora. Maravilhosa ferramenta para treinar a escrita e despertar a criatividade enquanto nos divertíamos. Pelo menos eu divertia-me. E nunca tinha de contar as palavras para ver se tinha passado do limite mínimo.
Lembro-me de ser uma nuvem e ter “enchiminhosite” que é quando uma nuvem não consegue chover e que hoje em dia me soa muito a uma descrição de prisão de ventre ou um anúncio de Dulcolax. Lembro-me de ser uma minhoca que dormia numa embalagem de pasta de dentes que tinha sido deitada fora por um humano. E não me lembro de muitas outras coisas que estarão guardadas em páginas amarelecidas (#estouvelha) no sotão dos meus pais.
Se eu fosse escritora, como aquela menina de óculos de massa acreditava há uns 25 anos atrás, haveria de agradecer-lhe - à professora, talvez num prefácio. Como não sou, mesmo que ela não leia, fica aqui hoje no blog: obrigada por me ensinar a imaginar com letras.