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Maria das Palavras

A blogger menos in do pedaço, a destruir mitos urbanos desde 1986. Prazer.

03
Dez15

O que lhe disse Anna ao ouvido?

Maria das Palavras

Numa das passagens que mais me marcou de um livro que li recentemente (não digo qual) há um segredo que Anna conta ao ouvido da filha.

O cenário é o da 2º guerra mundial, na Polónia. A familia é judia, estão reunidos num gueto e nessa manhã há movimentações alemãs que fazem acreditar que os vão levar dali para pior. O marido de Anna fica a dar a cara aos alemães que invadem a sua privacidade para levarem toda a gente que encontrem, enquanto elas se escondem do lado de fora. "Elas" são: Anna e a sua filha já maior, que por sua vez tem a sua criança nos braços e outra amiga. Os alemães levam o pai de família sem piedade - adivinha-se que o destino será qualquer coisa entre um campo de trabalho forçado e a morte. Elas encolhem-se e livram-se da inspeção. Ainda não foi daquela vez que as arrastaram. É então que Anna se levanta e se prepara para se juntar ao marido, aquele a quem um dia terá dito "até que a morte nos separe". A filha agarra-a por um braço, em protesto. Então Anna segreda-lhe algo. E a resistência da filha quebra-se até que liberta a mãe. Esta encaminha-se para o seu destino, seja ele qual for, mas ao lado do homem que ama. 

O que terá Anna dito ao ouvido da filha?

 

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09
Abr15

O Assassino de Segredos

Maria das Palavras

Segredo - Imagem jenkelchner.com

Suava das mãos na imagem menos bonita que possam imaginar. Estava nervosa porque ia perder alguma coisa: o segredo que andava a guardar. Escreveu-o numa carta de si para si. Queria lembrar-se mais tarde do que sentia enquanto o segredo era só dela. E daí talvez nunca o relesse. Mas ja tinha uma bigorna em cima do peito, com todo o peso com que parecem cair nos desenhos animados. Estava na hora de matar aquele segredo. De o perder para sempre. De deixar de o chamar assim.

 

Two can keep a secret if one of them is dead. A música repetia-se incessantemente na sua cabeça enquanto esperava a hora do encontro com o assassino do seu segredo. 
O medo estava a tomar conta do seu corpo. Tomou um chá trémulo e saiu. 
Era primavera e o sol já tinha decidido não se esconder mais. A dona Rosalina, com a neta gorduchinha pela mão, dirigiu-lhe um aceno, como quem diz boa tarde. O senhor Júlio do mini-mercado - o que nunca a deixava sair de lá com um queijo sem lhe ensinar a parti-lo uma e outra vez ("tem de ir ao centro, a menina"), com a seriedade de quem ensina equações -  fumava à porta, cofiando o bigode. Os carros passavam, sempre mais depressa do que deviam. Que falta de respeito, o mundo não parar enquanto ela vivia com aquele segredo. Que desplante o da dona Rosalina a passear com a neta, o Sr.Júlio a fumar descontraidamente, o sol a brilhar, os carros sem travar. Que desplante seguirem todos com a vida e ela sem saber o que fazer, a querer pressionar o botão da pausa a todo o custo.

 

Caminhou até ao banco de jardim do costume. Aquele em que se sentava com ele, já em criança, quando trocavam desenhos, as bicicletas encostadas à árvore a tentar não cair.  O assassino do seu segredo seria o menino-já-homem com quem tinha trocado o primeiro beijo. E o último.


Foi um erro. Encontraram-se por acaso: voltei a morar aqui, disse ele. Estava na antiga casa dos pais, agora restaurada. E ela estava numa ao pé, da dele e da dos pais. Na rua que era de todos, do outro lado do jardim onde estava o banco deles.
Trocaram simpatias. Trocaram novidades. Trocaram o primeiro beijo sem as bochechas quentes de terem corrido pelo parque nos minutos anteriores. Trocaram-se. Foi um erro.

O coração dela era uma lebre irrequieta: pulava-lhe do estômago à garganta. Viu-o chegar. Não o deixou falar e fez morrer logo ali o segredo. Pegou-lhe na mão: estou grávida.
E ele esboçou um sorriso desorientado. Abraçou-a para sempre. Foi só uma noite depois de uma vida e foi uma noite que valeu uma vida.


E o coração dela passou de lebre a tartaruga. Acalmou-se, voltou ao compasso normal. O segredo estava morto. 



[Obrigada Homem Certo por me teres posto a pensar nisto dos segredos que se perdem.]

 

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