As estratégias dos massagistas são reveladoras da inteligência desta classe. Nomeadamente três, a saber:
1. Tornam o ambiente escuro.
Já que têm de esfregar corpinhos alheios, aos quais não conhecem os hábitos de higiene, ao menos adotam a perspetiva "olhos que não vêem, nojo que não se sente". Não se vêem pelinhos mal depilados, surrinhos atrás das orelhas, nem cotõezinhos no umbigo. E nestas coisas, é na ignorância que uma pessoa é feliz. No meu caso também já aconteceu não verem que tinha uma pêga de uma nódoa negra na coxa o que se traduziu nalguma dor escusada quando começar a galgar a área com as mãos - mas não há sistemas perfeitos, pois não?
2. Põem música a tocar.
Normalmente a banda sonora tem aquela aura oriental com uns plim-plim-plins que desligam o cérebro, embora eu preferisse um jazz básico. Nada contra. É que seja qual for a música ajuda a abafar sons indesejados, seja um ressonar moderado ou uns gemidinhos de prazer embaraçosos quando tocam em certos pontos (no meu caso, gritinhos histéricos se me tocarem nos pés). E o som/movimento de engolir? Não é sempre no silêncio dos momentos em que um estranho (como um médico) está próximo de nós e é suposto estarmos sossegados e em silêncio que subitamente nos tornamos hiper-conscientes do ato de engolir saliva e temos MESMO de fazê-lo?
3. O pote de baba.
Muitas vezes naquelas macas com buraco para a cabeça, há uma taça grande, oval, por baixo com pedras ou flores decorativos. Num dos casos, aconteceu que a massagem incluia cromoterapia e a taça grande tinha água e luzes que variavam como parte do tratamento. Não me enganam tão facilmente. Nem é estético nem medicinal. É um pote para aparar a baba dos que se deitam e se decuidam e adormecem ou simplesmente relaxam demasiado a oca. É o que é. Pssht. Não neguem. Não querem estar sempre a lavar o chão. Eu percebo.
Claro que há situações que nem o mais estatuto dos massagistas consegue prevenir...
Estava aqui a pensar...As pessoas puseram-se do lado da Charlie Hebdo (que fazia humor negro, racista e religioso e o diabo a quatro) porque explodiu...Será que se o Sinel de Cordes explodisse também passavam a advogar a liberdade do humor dele?
(o único sentimento mais forte dos tugas do que o ódio pelo humor é a paixão pelos coitadinhos...)
[Para qualquer comentário que se assemelhe com "ele nem tem piada", "o humor tem limites" ou "espero que ele morra" vide resposta aqui.]
Os famosos vão morrendo. Têm aquela particularidade chata de continuarem a ser humanos e, portanto, ainda que para nossa incoveniência, são perecíveis e em última instância - às vezes com umas ajudas químicas, outras vezes nem por isso - exalam o último suspiro. E eu nem julgo quem mina as redes sociais de RIP, cenas do ator, músicas do cantor e outros que tais. Certo que há sempre uns que mal conheciam a obra e são carpideiras-surfistas (entram na onda). Seja.
O que me dá torvelinhos no peito, então? Que se diga que está a ser um ano terrível (e ouvi e li tantos desabafos assim desde ontem, com mais uma morte de uma estrela). Um ano terrivel seria que houvesse tal sequência de mortes das que nos doem - ou uma só - e não das que nos chocam. Das que me fazem dizer que quem morre é quem fica vivo, porque quem parte leva consigo para a cova, para o mar onde se espalham as cinzas, para o céu, para o purgatório, para o inferno (cada um acredita no que quiser) um pedaço irrecuperável de nós.
As mortes dos artistas, atletas, figuras públicas, imortais na sua obra, mesmo que todos de enfiada e um por semana, só fazem com que seja um ano terrível, um de cada vez (sem reparar na sequência), para aqueles a quem essa morte dói de facto. E esses não somos nós. Nós abrimos a boca em espanto, sentimos talvez um espasmo de tristeza e a nostalgia abate-se. Mas continuamos inteiros.
Há aí uma cultura de gente feliz e com toda a segurança do mundo que trucida as mulheres (e homens) atingidos por esse bicho vil que é o ciúme. Os ciumentos só podem ter um excedente de células parvas porque toda a gente sabe que as pessoas felizes e normais e que amam de verdade não têm ciúmes. Divide-se mais ou menos assim: 1) se há mesmo motivo para desconfianças (e normalmente onde há fumo há fogo) deves ser crescido e racional e afastar-te dessa relação que te faz mal com a leveza de duas embalagens de discos de algodão para tirar maquilhagem da cara; 2) se não há motivo e é tudo insegurança tua vê lá se te afogas num balde, porque as pessoas de jeito não estragam as suas relações - elas sim - com esse tipo de picuinhices.
Se ao menos a complexidade humana fosse um mito isto podia ser dito assim.
A verdade é que sentir "ciúmes obsessivos" acontece sem que se queira ou possa controlar facilmente. Porque, sim, o ser humano consegue ser inseguro e catar o pior de si e dos outros porque sabe que a vida não dá folgas e muitas vezes até porque já se queimou por ser ingénuo. Nunca os experimentei, nem preciso disso para saber que são passíveis de estragar relações, mas o propósito bem certo não era esse. Nem sempre conseguimos manter-nos com o switch da racionalidade para cima. O amor e o ciúme não vêm de mãos dadas mas têm em comum o turbilhão de emoções que nos fazem experimentar. Em querendo e fazendo por isso, a maturidade, o equilíbrio, a segurança, chegarão com a ajuda dos que nos rodeiam. Mas as pessoas ciumentas não estão estragadas. Estão a tentar lidar com alguma coisa. Como estamos todos. Podemos e devemos, enquanto objeto de ciúme chegar ao ponto em que temos de nos afastar da pessoa ciumenta - fazer o melhor para nós. Mas o julgamento continua a ser uma arma perigosa e a usar com moderação. De um lado e de outro.
E sentir os chamados "ciúmes saudáveis" então é tão natural como a nossa sede. Dos amigos, dos pais, dos irmãos...sobretudo do parceiro ou parceira. Ter aquele incerteza inicial, procurar um reforço positivo do outro lado. Hoje em dia não sinto ciúmes do Moço, e não me considero uma pessoa ciumenta no geral, mas fiz os meus beicinhos no início da relação. Continuo a achar que tenho o direito de não gostar de certas confianças alheias e ele tem o mesmo direito, desde que não haja nunca um momento em que isso ponha em causa a confiança no outro. Há até um certo salero em querer provocá-los (dentro das linhas do aceitável e inocente) muito embora não seja um jogo recomendável - sobretudo se o lado de lá tem traços de ciúme carregados. Nem convém usar ciúme para ganhar pontos em relações que não estão sólidas - nada de bom se contrói sobre a base de um sentimento, que por mais natural que seja, não deixa de inclinar para a negatividade.
Não acredito tudo em quem diz que nunca na vida os experimentou, mas a acreditar, acredito que esteja relacionado com o desprendimento dos sentimentos negativos que querem e conseguem estas pessoas. Conseguem impor a si próprios extremo otimismo e ver sempre o melhor dos caminhos à sua frente - palminhas por isso, gostávamos todos de o conseguir. Mas enquanto trabalhamos todos em ser seres humanos melhores não advoguemos que o normal é não ter ciúmes e todo o restante tipo de relações tem caruncho. Como se algum de nós fosse esse poço de virtudes e equilíbrio inesgotável.
[Este post não se escreve na defesa da ciumeira, que não é prática que se deva defender ou descupar quando levada ao extremo, mas na assunção de que temos todos fraquezas e compreendemos sempre melhor as nossas do que as dos outros.]
Um tipo vermelhusco, bem oleado por copos de tinto e que em todos os eventos familiares chega ao ponto de se achar um participante - o melhor - do Achas que Sabes Dançar. Para riso de quase todos, mas vergonha dos entes mais próximos que disfarçam com um sorriso de aceitação desolada, é inevitável o momento em que acaba a despir a camisa. Se tivermos sorte, só a camisa.
2. A mexeriqueira
É uma mistura explosiva entre SIC Notícias do Alandroal de Baixo, informador do FBI e mural do Facebook. Sabe tudo e põe a informação a circular como se a sua vida dependesse disso - e no fundo a atenção que todas as outras mulheres lhe dão depende mesmo disso (mesmo aquelas que depois comentam ao lado que a fulana é funcionária da Rádio Alcatifa com ar reprovador, não se afastam enquanto não ouvem tudo). A sua veia curiosa e intriguista também é o gerador principal de várias discussões familiares. E é um gerador tal que várias petrolíferas querem catá-la para não se descobrir esta fonte de energia inesgotável que pode acabar com o negócio deles.
3. O palhaço de serviço
Em muitos casos é a mesma pessoa que o barrigudo que tira a roupa. Embora geralmente faça os presentes rir com os seus comentários ora sagazes ora inconvenientes, não deve ser dada muita confiança ao palhaço de serviço sob pena de este começar a fazer tentativas que envolvem funções corporais (aka arrotos). Numa versão mais ligeira pode ser só o tipo que tem o maior portfólio de anedotas - que repete em todos os jantares. Todos. Sim, vai voltar a repetir - felizes dos presentes que têm memória curta e que podem rir-se de todas as vezes.
4. A velha das notas
Toda a gente sabe ou suspeita que ela é cheia da massa apesar de ser reformada desde 1845 e comer pão até ganhar bolor. Aliás é por ser tão poupada (forreta, há quem diga) que reuniu uma quantia de dinheiro que, para os filhos da crise que não sabem bem o que é poupar, é uma fortuna - embora para ela, que faz contas ao dinheiro que precisa para o seu próprio funeral, seja sempre pouco. De quando em vez, numa época de Páscoa em que o sol se põe para Este a uma sexta-feira 13 ela saca de uma nota gorda e dá a uma das crianças que entende ser merecedora daquele pedaço de papel que ela guardou nos últimos cinco anos no fundo de uma arca e cheira ligeiramente a alfazema (ou bolas de naftalina). Sim, ainda tem notas de escudos guardadas dentro de um colchão velho.
5. A deslocada
Assume geralmente a forma de um(a) adolescente, mas não é obrigatório. O telemóvel é o seu melhor amigo em qualquer ocasião familiar e escolhe os cantos mais recatados da sala como habitat natural. Ninguém lhe vê as beiças desde 2003 porque está sempre de cabeça baixa, até a comer, e cabelo a tapar meia cara. Assume-se naturalmente, pela postura, que é estudiosa e/ou rebelde, mas em calhando não é nenhuma das duas, é só menos fingida que os outros que atiram sorrisos por cima do bacalhau com todos.
Conseguem identificar alguns no vosso seio familiar? Cuidado. Se não conseguem...podem bem ser vocês. Muahahahah.
Como diz a Magda, isto hoje em dia só o Artur bate-chapas é que não vai para o Panteão, visto que em vez de figuras históricas são cada vez mais as figuras públicas que se querem lá. Assim sendo, se estamos a esquecer-nos que aquilo é um espaço limitado e vamos passar a pôr lá todos os notáveis por quem nutrimos carinho, quero fazer a minha própria reivindicação. Quero que vá para o Panteão nacional uma figura que fez por diversas vezes as minhas delícias e que posso dizer que adorava e respeitava.
Também exijo Panteão para o sabor de gelado Caramel Cone Explosion da Haagen-Dazs. Soube no outro dia que foi descontinuado (que é como quem diz que morreu) e tenho andado num luto sentido, enquanto estou a tentar encontrar sucessor à altura por entre os outros sabores caramelo-abiscoitados da marca. Comparando com outras figuras públicas é bastante mais ajeitadinho em termos de tamanho e creio que será fácil arranjar uma gavetica onde caiba. Ah, e eu sei que a marca é americana, mas não podemos ser xenófobos, não é? #nãosejastrump
Nem tudo o que é estadia em hotel merece cinco estrelas - mesmo quando o hotel é literalmente de cinco estrelas. Há alguns dramas frequentes que são autênticos flagelos para o frequentador de hóteis mais ou menos regular. Recostem-se e enumerem comigo: tenho a certeza que vão reconhecer alguns.
1. Wifi? Claro! Na receção.
O panfleto diz que sim tem internet e acentua que é grátis (quanta bondade!). Depois chegamos e no quarto não liga. É grátis, sim. A internet funciona muito bem, sim senhora. Ali na zona da entrada. Portanto, preparem-se. Logo visto o pijaminha e venho aqui para o lounge trocar vidas de Candy Crush. Pois bem percebo que uma pessoa vai para um hotel - muitas vezes - para descansar, mas consideremos que a) descansar também é ler blogs e b) como é que se vive sem internet? Ou então podem não ter, mas assumam isso sem vergonha e digam que não há mesmo wifi nenhum, para não ir gente ao engano. Já me aconteceu viajar em trabalho e ter de me sentar nos degraus do hotel a responder a emails urgentes. Porque tinha wifi...na receção...que por acaso até fecha a determinada hora.
2. A cama de casal em Twix. Quarto de casal - check. Cama de casal? Vamos juntar duas pequenas e disfarçar isto a ver se eles não notam. Ver se eles não notam que vão entrar numa cratera GIGANTE a meio da noite se tentarem chegar-se um ao outro. As camas twin, com efeito Twix, não satisfazem vez nenhuma. Foram certamente introduzidas nos hotéis por algum pai que entregou a filha em casamento, mas a quem ainda custava aceitar que a filha ia dormir com outro homem e subornou o gerente do hotel para dividir as camas.
3. O lençol sem ácaro.
A única explicação que vejo para TODOS os hotéis do mundo usarem lençóis frios, de verão, seja qual for a temperatura e estação do ano é a higiene. Mas quando o termómetro desce...digamos abaixo dos 10º... prefiro ao menos uma flanela (já nem digo polares) mesmo que contenha diversas doenças embutidas no pelinho do que passar um frio de rachar na arca frigorífica em que se transforma a cama. Da para ser? Juro que vou começar a levar os meus lençóis extra-térmicos para os hóteis.
4. Água não se nega a um pobre.
Então porque é que tenho de pagar 3€ por uma garrafinha minúscula que guardam no minibar? Nestas coisas os hóteis pequenos são mais atentos do que a maior parte dos upa-upa. Nos grandes assumem só: não vêm que temos um lavatório da design? Bebam de lá que isso foi caro. Ou então inchem com o preço inflacionado por uma micro-dose engarrafada. Se passarem a noite na discoteca não têm de pagar? Então dancem ao nosso ritmo, vá. Que a utilização do sound-system - essa sim verdadeiramente essencial - é grátis.
5. A humilhação da piscina interior.
As piscinas interiores em hóteis são uma benção não são? Permitem disfrutar de umas belas braçadas mesmo quando o tempo cá fora não permite. Às vezes até são aquecidas. Melhor coisinha do mundo, não é? NÃO! Melhor coisinha do mundo era se me deixassem ir à tal piscina interior sem colocar uma humilhante touca! Juro que fico um alien. Tenho muita vergonha de a pôr na cabeça, mesmo que ninguém olhe para mim: acho que as narinas se dilatam logo, os olhos ficam da cor da borracha e a pele me descai. Imagino os funcionários a esfregar as mãos atrás da porta dos balneários: ahahahah, queres nadar enquanto trabalhamos? ao menos farás má figura, seu preservativo gigante!
Mas, claro, vou continuar a arriscar estas coisas todas sempre que puder...ou não fosse eu aquela que sempre disse que gostava de morar num hotel - não num quarto mixuruca, mas uma penthouse ao género Pretty Woman, estão a ver?
É uma das doenças do século. Milhões de pessoas todos os dias (biliões) vivem através de uma lente. Não falo de miopia, astigmatismo e casos de cataratas avançadas. Falo do vício da câmara, do smartphone, do iPad em punho para fotografar ou filmar...do viver por um ecrã, por uma lente. Viver com um intermediário, em vez de viver diretamente.
No outro dia fui a um café-bar. Fui em busca de waffle com gelado, ou não fosse eu, mas um grupo animado de mulheres pediu uns shots coloridos e flamejantes. Assim que chegaram à mesa...brindaram?...beberam?...nada disso! Sacaram dos telemóveis. Instagram primeiro, momento depois. Perderam o brinde porque foram bebendo uma a uma para a câmara, com a assistência das amigas. A diversão estava em registar, em mostrar a outros que não estivessem lá a grande loucura que fizeram juntas - só que não. Perderam o momento, beberam de um trago e fizeram cara feia, uma de cada vez, desencontradas.
Assim é em concertos, em viagens. As pessoas vêem a interpretação da sua música favorita com uma câmara pelo meio. A olhar para o ecrã, para se certificarem que o enquadramento está bom até ao fim. E quando chegam ao fim, esqueceram-se de a ver diretamente. De sentir sem filtros.
E deslocamo-nos para obter a foto perfeita da Torre Eiffel, quando há tantas fotos de cor e enquadramento perfeito da Torre Eiffel num browser próximo de si. Quando nos devíamos deslocar para fazer a melhor captação possível...com o olhar. Registar as cores irrepetíveis de uma paisagem, inimitáveis por qualquer meio tecnológico, por mais FHD 3D XPTO que seja, através dos nossos olhos.
Depois preocupamo-nos porque ao meio da tarde daquela viagem já estamos sem bateria na máquina ou no telemóvel, quando devíamos estar preocupados que isso signifique que passámos demasiado tempo a fazer click e muito menos a ter experiências únicas, de mãos livres. O selfie stick para o diabo. Os outros não têm de ver que estivemos ali. Nós próprios não precisamos de nos lembrar que estivemos ali, se não estivemos por mais nada senão captar para recordar, sem viver.
Equilíbrio: procura-se desesperadamente. "Consumir com moderação" deviam as máquinas digitais ter como aviso na embalagem. Lá nisso o bom do rolo, a gastar-se depressa, era nosso amigo.
Eu também gosto de fotografias: as da praxe, as únicas, as das caras bonitas e feias, as que provam que estive lá, fiz aquilo e com quem. Mas espero não me esquecer nunca de experimentar o que está foto, se não em vez de, ao menos antes de fotografar.
É um momento que me eriça os pelos do nariz...o apita o comboio. Começam os primeiros acordes, um desgraçado lembra-se que sempre quis ser maquinista e os outros seguem a todo o vapor. Uns atrás dos outros a fazer oitos no salão e com braços de gancho para agarrarem as carruagens soltas: não é permitido ficar de fora. Eu fico, claro.
Nas festas, como na vida, odeio o movimento aglomerado das alminhas na mesma direção. Todos para a esquerda. Todos para a direita. Agora batam palmas. Agora comam sementes. Agora vamos correr. Este ano usam-se as franjas: usa franjas.
E depois há aqueles eventos na vida, que numa mesma geração se vão dando ao mesmo tempo: os meus amigos próximos (que são de idade próxima) agora vão morar juntos. Agora vão casar. Agora vão ter filhos. Agora vão comprar casa. Agora estamos todos a juntar um PPR.
E eu, que bem calhando, até podia querer alguma dessas coisas, já não quero. Tenho alergia a ser só mais uma no meio dos outros todos que fazem mais ou menos a mesma coisa, mais ou menos na mesma altura. Certamente que é um fenómeno estúpido - o que me assola, não o dos outros. Ninguém vai deixar de (por exemplo) casar quando pode e quer, porque nessa levada de anos já se casaram outros dez.
Este é o ano dos 30. Já vos disse que faço trinta anos este ano? O Moço também (seis dias antes). E 58 outros amigos nossos também - 76 se contarmos com os que já foram fazendo desde meados do ano anterior e os que farão um pouco depois em 2017. E é aquela data em que parece que é preciso fazer alguma coisa de especial, porque é redondinha. É preciso preparar surpresas (para os outros) e atividades (para nós), juntar mais gente, estar entusiasmadíssimo, lançar foguetes e ter esculturas de gelo.
E se não me apetecer? E se além da já pouca vontade de festejar os meus 30 - só porque não ando a acalentar espírito para isso, não é por achar que estou a ficar velha, que toda a gente me dá 18 quando olha para mim - isto de (quase) toda a gente fazer 30 (quase) ao mesmo tempo e se fazerem festejos especiais de enfiada, me tira ainda mais a vontade de entrar neste Apita o Comboio? Este pensamento tem qualquer coisa de egoísta, que eu sei: se não posso ser especial, também não quero.
Mas se me é permitido um desejo - já que será o meu aniversário - que seja esse: quero ser egoísta. Agora rezem comigo para que o Moço esteja no mesmo comprimento de onda e não espere que eu lhe organize um luau surpresa com convidados dos cinco continentes. É que não estou mesmo p'raí virada, caramba.