Um ano, um livro, uma surpresa, um pedido de desculpas
Faz hoje um ano que recebi um email da Blogs Portugal. Em parceria com a Chiado Editora iam oferecer-me um livro, assim eu quisesse, e em troca eu opinaria sobre ele no blog. Justíssimo. Fiquei entusiasmada, disse que sim, esperei pela volta do correio.
O livro chegou e...não era de todo o que eu esperava. A minha cabeça já se preparava para o livro de ficção que aí vinha e afinal tratava-se de uma espécie de relato autobiográfico do vocalista de uma banda que eu conhecia, claro, mas nunca seguira com o entusiasmo de outras gerações. Ora bem, dar-lhe-ia a oportunidade prometida. Não naquele dia.
Não estava cheia de vontade de o ler e não estava numa fase em que conseguisse ler muito. Assim foi ficando para trás. A boa intenção esteve lá sempre, mas daí a pegar no livro, não foi um passinho. Estava junto aos outros daquela fila de trás que são os livros em que por uma razão ou outra não peguei ainda: porque comecei e não consigo continuar por serem autênticas chagas (se é que me entendem), porque tenho expectativas e tenho medo de ler e me desiludir (ou desiludir com a minha opinião quem mo deu), porque são tão grandes que tenho medo de ficar marreca, ou pura e simplesmente porque há outros que vão chegando e passando para a frente da fila e outros que também quero muito ler vão invariavelmente ficando para trás. Certo é que chegará a vez de todos, como - vão ver - chegou a deste.
Um dia destes, numa fase em que ando a ler mais, e num ano em que à pála do Livro Secreto tenho lido muitas coisas que à partida não escolheria, passei à FNAC e vi-o. Por Detrás do Pano, de António Manuel Ribeiro. Levei a mão à testa e sozinha corei. Teria já passado um ano desde que fiz a promessa de o ler? É verdade que mais vale tarde do que nunca? Leio ou rebolo apenas pejada de vergonha pela minha falha?
Leio. Peguei nele, interrompendo a leitura de outro. E descobri. Não é um relato aborrecido. É polémico, é revelador, é curioso, tem detalhes suculentos. Sabiam que o primeiro nome da banda foi À Flor da Pele? E eu, convencida que este livro de 35 histórias não era para mim, que nem sabia que o António Ribeiro escrevia livros (inculta, que ele tem outros), que nem imaginava que se tratava de uma banda da margem sul (inculta, que é de Almada), dei por mim envolvida nos episódios que ia descobrindo. Na página 183 lê-se um dos meus favoritos, quando se conta a caminhada para o primeiro concerto (que na verdade foi o segundo):
Como diz o poema, atravessámos o Tejo de cacilheiro e fomos de metro até à estação de Roma, quatro músicos com o instrumento à mão e mais sete ou oito elementos da putativa equipa técnica. Conseguimos entrar todos na discoteca, perante o olhar eriçado do porteiro ao ver duas guitarras, um par de baquetas, e alguns cabos nas mãos de 'tanta gente técnica'. (...) Não sei se foi da timidez ou da falta de ensaio do som, mas tocámos tão alto e tão rápido e berrei tanto que abafávamos as palmas logo com uma nova canção. À saída, (...) alguém disse: "Caramba, vocês tocam mesmo alto".
Mas foi no Breviário do Universo dos UHF, uma das secções do livro, que li aquilo que me fez identificar imediatamente com esta banda e guardá-la no meu pequeno e endurecido coração: sempre que iam ao Alentejo, as bifanas de Vendas Novas do regresso eram obrigatórias.