Um fado para a Maria e para o Moço
Será que os portugueses não gostam de fado? Já vos conto a razão de ser desta pergunta, mas deixem-me dizer-vos que eu gosto. Da poesia, da voz grave, dos acordes da guitarra portuguesa.
Pois há muito tempo que andávamos a falar, entre amigos, do dia em que iríamos aos fados. É daquelas coisas que falamos todos os anos e quantas vezes fomos? Pois, nenhuma. Por isso eu e o Moço chegámo-nos à frente e escolhemos esta experiência do site Odisseias, no Fado Maior by Morgadinha. Há outras opções no site da Odisseias, há sempre, e a minha escolha recaiu sobre esta por ser em Alfama, por incluir bons petiscos (pelo menos em teoria) e por ter lido boas críticas.
Foi difícil marcar, porque o lugar estava cheio, em plena época de Santos, mas fui sempre atendida com simpatia e arranjaram-me a mesa para o dia pedido. Pediram-me apenas que estivesse às sete em ponto. Claro, respondi. Claro que NÃO! Saí de casa com tempo suficiente para tecer um tapete de arraiolos e mesmo assim as malditas obras que são agora a praga maior de Lisboa fizeram das suas (voltem pombos, estão perdoados).
Eu estava desorientada com o atraso - odeio estar atrasada. Para não perdermos mais tempo com o atraso que já levávamos no lombo, mesmo já tendo telefonado para avisar, o Moço anunciou que ia deixar o carro no parque que avistou. O parque da Emel nas Portas do Sol. Pois bem, o Moço nunca tinha estacionado num parque destes, em que se deixa o carro numa espécie de garagem e é o mecanismo que transporta os carros para um lugar determinado e o devolve, pelo que ficou meio em pânico. Era o senhor a explicar o funcionamento e o ar desorientado a migrar de mim para o Moço, que quase se despediu a chorar do carro, sem saber o que lhe ia acontecer. Spoiler alert: correu tudo bem, apesar de termos ficado com a pulga atrás da orelha de tantas vezes que o homem repetiu: não deixem pessoas ou animais na viatura. E até acabou por não ser caro.
E lá fomos, encontrar o nosso cantinho de Alfama, em passo de chita.
Chegámos enquanto as guitarras cantavam. Gostei muito do sistema da casa- não sei se é assim em todas. O fado vadio começa e vai rodando as salas. Entram primeiro os guitarristas, apagam-se as luzes, eles dedilham e quando eles se calam, ouvem palmas e logo recomeçam, que lá vem o fadista. Eram três, são os que costumam estar por lá, a Milene Candeias, o Augusto Correia e PORRA que não me lembro da outra fadista - que é a da foto - e que foi a que cantou em exclusivo para nós, num momento em que estávamos sozinhos na sala. Foi maravilhoso ouvi-los todos, sem esquecer os guitarristas, a quem também não conheço os nomes mas felizmente já conheço o talento. Estive à procura na página de Facebook e hei-de sugerir-lhes que a atualizem com os nomes.
E enquanto a música vai à outra sala, as luzes acendem-se e temos tempo para petiscar. Depois voltam para nos presentear novamente com os seus fados. Confesso que foi angustiante, ali num primeiro momento, ter a comida à frente a fumegar, estar esfomeada, mas não querer comer por respeito aos artistas. Enfiava um niquinho de pica-pau na boca enquanto ninguém estava a olhar (que ainda por cima estava delicioso) e prosseguia como se nada fosse. Foi só da primeira vez, depois já tinha o estômago aconchegado. E se eram bons os petiscos! O chouricinho estava incluído no menu Odisseias, com as azeitonas e o clássico pão com manteiga. Depois escolhemos três pratos da carta: ovos mexidos com farinheira, pica-pau e choco frito. Ah, as sobremesas foram mousse de manga para ele e bolo de chocolate com cobertura de côco para mim. Comam lá só um bocadinho com a vista.
O senhor que nos atendeu era uma simpatia, contou-nos que fazia aquilo "por desporto" e de facto notava-se o gosto com que trabalhava. Ainda nos deu dois dedos de conversa - e dois copinhos de ginja com que brindámos (eu só brindei mesmo, porque por mais docinho que fosse, não gosto mesmo de alcóol). A sala onde estávamos apresentou-se praticamente vazia, por ter havido um cancelamento de um grupo grande. O senhor estava convencido que era por causa do futebol e eu não lhe quis dizer que naquele dia nem havia jogos do Euro. Havia alguns casais, estrangeiros, apenas estrangeiros. O que me faz voltar à pergunta: os portugueses não gostam de fado?
Para nós acabou por ser um momento bonito, ter um concerto intimista e sentido, fazer ressoar as palmas da sala toda. E pensei que voltaria, certamente, com um grupo de amigos. Portugueses. Sem cancelamentos. Fica a recomendação. Do Fado da Morgadinha e do fado apenas (que nunca é pouco). Vão seguir a minha sugestão? Prometo que vão gostar dessa noite diferente.
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