O Sino que desdobra as Horas
Faz hoje 20 dias que estou em isolamento, mas não é a passagem do tempo em casa que me desgasta. Tenho a grande felicidade de poder estar em casa com trabalho e mais 67 formas de me entreter, uma varanda para apanhar ar e comida que não tive de acumular em altura nenhuma. E sempre fui sossegada. Dêem-me uma manta e um livro.
Só que.
Enquanto o tempo come os dias, a doença come as pessoas. E cada vez mais vamos conhecer alguém que conhece alguém que está doente ou em situação de risco (a quem vai faltar um ventilador que é uma chance?). Sabemos o poder que temos nas mãos ao escolher recolher-nos, mas só podemos fazer essa escolha por nós, mais ninguém, portanto a doença avança sobre quem a menospreza saindo para passear, sobre quem tem mesmo de sair, sobre quem (mesmo sem sair) tem contacto com os idiotas do primeiro caso e os valentes do segundo.
Desenganem-se se acharem que por estarem em casa – ou serem ‘tão’ saudáveis - são intocáveis. Toca a todos de formas diferentes e às vezes a forma mais cruel não é apanhar a doença, é viver com as suas consequências.
Por isso.
Em casa, riam, vivam, conversem, façam piadas, joguem, divirtam-se.
Aproveitem todos os momentos, todos os detalhes.
Não porque são imunes aos efeitos ou ignorantes dessa realidade. Mas porque, precisamente por não serem, devem a vocês mesmos a missão de serem felizes entre os pingos da pandemia.
De cada vez que sino toca a marcar mais uma hora, é menos uma para isto acabar. Sempre que desdobram, mas não dobram, ganhamos outra vez.