Diferenças entre a Maria que escreve e a Maria que fala.
A Maria que escreve é mais meiga. Confessa ao teclado ou à caneta coisas que jamais diria em voz alta. Tem menos medo de se expôr. A Maria que fala tem sempre resposta para cá da ponta da língua, a cuspir uma espécie de sarcasmo diplomático, que entretém e convence quem ouve. A Maria que escreve também usa o humor mas tempera o grau de acidez. A Maria que fala também consegue ser doce, mas tem vergonha de usar algumas palavras, como se ditas é que elas ficassem registadas para sempre.
A Maria que escreve usa a terceira pessoa para falar de si e das coisas que nunca quer esquecer. A Maria que fala acha isso parolo (até em quem escreve). É mais airosa e desapegada.
A Maria que escreve quer deixar assente o que aconteceu e quando aconteceu para ter a certeza que um dia tem uma base de dados da sua vida, como se em 2023 fosse preciso saber em que dia esteve triste e porquê a 14 de Abril de 2017. A Maria que fala só quer reler as coisas boas para não recuperar sentimentos desnecessários no seu peito. A primeira revolve-os, apalpa-os, descasca-os, rói-lhes o caroço. A segunda ignora-os tanto quanto pode. Deita-os fora. Sacode a cabeça para afastar o assunto.
São essencialmente a mesma, mas olham de lado uma para a outra. Às vezes com desprezo. Outras vezes, a piscar o olho. Sobre uma chávena de chá.