Passo as noites a tossir e empilho as almofadas sob a minha cabeça numa tentativa de parar e cumprir a ordem do dentista (que pode perceber muito de dentes, mas não percebe os mistérios insondáveis da garganta e não sabe que não depende o impulso da minha vontade). O Moço chega do trabalho - trabalhou de noite - e deita-se ao meu lado. Quando desperto reparo que dorme com a cabeça caída no colchão. A almofada dele era uma das cinco que eu tinha empilhadas e ele não fez a mínima menção de ma tirar.
Fiz um esforço hercúleo para me manter acordada até ele chegar a casa depois do trabalho (era só à meia-noite, mas eu a partir praí das 21h já passo de Cinderela a abóbora). Conversamos de cabeça encostada nas almofadas enquanto ele me passa as mãos pelo cabelo e ele pergunta - completamente off-topic:
Ele: Quando eras pequena fazias aquilo de pôr os dentes que caíam debaixo da almofada para esperar a fada dos dentes?
Eu (sobrancelha erguida): Não me conheces já o suficiente para saber que nunca acreditei no Pai Natal e seus duendes?
Ele: Mas sabes o que é?
Eu: Claro...deixas o dente debaixo da almofada, ela troca por uma nota durante a noite.
Ele: Tem de ser dinheiro? (a olhar para a minha almofada)
Eu (já desconfiada): Tem...e uma nota das gordas.
Ele: E se for uma coisa que se compra com dinheiro?
Viro a almofada. Não deixei nenhum dente (graçádeus), mas tinha um livro.
Era menina para dormir a noite toda sem dar por nada. Não dou para princesa da ervilha, aparentemente. Mas mesmo sem ser princesa, sou uma mimada. Pela minha fada dos dentes pessoal.
Ele já tinha ido sensivelmente 76 vezes ao Oceanário. Eu, há 10 anos lisboeta emprestada, nunca tinha posto os pés lá - não é que não quisesse, mas toda a gente já tinho ido lá, percebem? Não tinha companhia.
Ele levou-me (de surpresa).
[E, por um momento, reuniram-se dois seres muito perigosos no mesmo espaço.]
Estávamos à espera que o próximo episódio de Game of Thrones começasse e vendo uns minutos para queimar, peguei no telemóvel disposta a fazê-lo de forma (in)útil. Digitei, mas em inglês, qualquer coisas como "50 coisas que tem de saber sobre a pessoa com quem vai casar" - não, não há cerimónia à vista. Para aí a terceira da lista em que cliquei era:
"Qual a melhor coisa que posso fazer para sentires que te amo?"
E ele respondeu-me um inesperado "mostrar que confias em mim". E a princípio não percebi. Amor envolve confiança, claro, mas confiança só por si não constitui amor. Confiar é uma base, mas não uma prova. Percebi depois dele elaborar. Ele queria dizer "que eu lhe confiasse as minha mágoas". Que lhe mordesse o ombro ou chorasse nele quando fosse preciso. Que mostro que o amo quando não lhe escondo as fragilidades que me apoquentam e me roem. Ponto para o Moço. Eu responderia só "quando me trazes gelados".
Ele às vezes, sobretudo de noite quando já estou molinha no sofá e me sinto incapaz de migrar para a cama, pergunta-me assim:queres que te leve ao colo? E eu tremo, mas aceito porque gosto muito dos braços dele.
É que ele pega em mim sem dificuldade, mas leva-me feita trambolha a bater contra todas as ombreiras de porta e esquinas da casa, qual esfera de pinball a cumprir objetivos ao longo do corredor. No fim sou só uma passa com nódoas negras, mas não ligo para a APAV porque sei que ele teve boa intenção.
Adoro ver a Teoria do Big Bang. Divirto-me à brava. Mas o que eu gosto mais na série não é o genial Sheldon: é a gargalhada deliciosa do Moço quando está a ver comigo.
Há muitos meses atrás (mas botem meses em cima disso!) namorei um vestido que estive assim [estou a fazer aquele gesto em que se une o polegar ao indicador] de comprar para um casamento. Partilhei com o Moço a ideia, mas acabei por levar um que já tinha. Sem problema - qualquer trapinho me fica bem. E o que é que ele se lembrou de me dar no aniversário, volvido quase meio ano? Exatamente. O Vestido. Sem tirar nem pôr. Quando já nem eu me lembrava dele.