E ai do primeiro que venha para aqui nos comentários dizer que nunca mente que eu invoco já a palavra "balelas". Talvez seja triste dizê-lo, mas a nossa sociedade desmoronava sem algumas little white lies. Podem recordar a minha reflexão sobre o assunto e o filme que a inspirou (sobre um mundo em que ninguém mente e de repente há um maluco - o Ricky Gervais - que consegue fazê-lo) aqui. O filme é delicioso, cómico e faz-nos pensar.
Pois bem, corria a década de 90 e eu estava acabadinha de entrar na catequese. No meu tempo, e na minha terra, não havia cá aquela coisa de liberdade religiosa para a criança ou grandes discussões filosóficas acerca do bem ou mal que faz à criança - toda a gente ia à catequese (os meus amiguinhos) e portanto eu também. Não me toldou a mente de maneira nenhuma (aliás, nunca acreditei eu deuses, messias, água que se faz vinho e afins), portanto como vêem não me tirou a liberdade de escolher o meu caminho na fé (ou a falta dela), mas aprendi muito acerca da nossa cultura e ouvi bonitas estórias que pelo menos servem para passar valores morais.
Ora não me lembro em que ano teria sido, mas julgo que foi logo no primeiro (primeiro ano de catequese - coincide com o primeiro ano escolar) que nos empurraram para uma confissão. A primeira confissão. Como não sabíamos escrever e pelos vistos alguém decidiu que falar não era o ideal (talvez fosse na altura que nos caem os dentes e os padres não quisessem levar com spray de cuspo) pediram a todos os meninos que fizessem um desenho que representasse o seu pecado. Ora estar a escolher um pecado que combine as propriedades de ser confessável e ao mesmo tempo conseguir desenhar-se é complicado. Por exemplo, eu poderia pensar "fui mal educada para os meus pais". E como é que esta jovem (des)Picassa ia representar isso em desenho? Por acaso sou a Maria das Imagens? Não. Sou a Maria das Palavras.
Portanto eis o que fiz na minha primeira confissão: menti.
Desenhei-me a atirar uma pedra a outro menino, que era infinitamente mais fácil de representar em folha do que tudo o que me ocorria, e contei ao padre sobre isso. Sem qualquer pudor, até porque continuava sem certezas da legitimidade daquela pessoa de vestido branco para andar a ouvir segredos profundos.
Devo ter sabido que era errado, porque me lembro bem disto. Se me arrependo? Ora bem, as Avé-Marias e Pais-Nossos que rezei pelas pedras que não atirei devem ter chegado para o pecado que realmente cometi. Portanto diria que paguei a minha dívida à sociedade...
#A primeira vez que fui a uma entrevista de emprego.
Estava a um semestre de acabar a faculdade e comecei a sentir um bichinho estranho. Queria fazer qualquer coisa de útil, em vez de andar ali na faculdade a brincar em exercícios fictícios. Isso, e o facto do meu pai andar em esforço já há anos suficientes para pagar a escola à menina, logo na capital - que era fina demais para as da terra. Mandei uns quantos CV's para me candidatar a um part-time na área e fui chamada para duas entrevistas (a crise sempre esteve instalada, mas ainda era só uma cabritinha nesta altura). Uma era para um emprego remunerado e a outra não, portanto adivinhem qual me interessou?
Sempre fui muito independente mas lembro-me que para esta ocasião mobilizei uma amiga. Aliás "a" amiga. Levamos sandes para almoçar pelo caminho, palmilhamos o caminho até ao sítio indicado com dois níveis de dificuldade: sem google maps a ajudar (que os telemóveis ainda não eram espertos) e sempre a subir. Identificamos a porta que seria e almoçamos calmamente com vista para Lisboa inteira.
Depois, à hora marcada, toquei à campainha e entrei. Era uma cave (iluminada, ainda assim). Um open space (que é a maneira mais fina de dizer não temos dinheiro para gabinetes e salas de reunião). Respondi a tudo, com a certeza que não havia respostas certas, só atitudes certas. Voz assertiva, mesmo que estivesse a dizer uma barbaridade. Não consegui ficar nervosa. Talvez porque na altura não era decisivo conseguir aquele emprego.
Quando saí tinha a minha amiga cá fora para me fazer perguntas. Disse-lhe que tinha corrido bem. Que o "chefe" parecia porreiro. Perguntou-me quantas pessoas trabalhavam lá. Umas dez, respondi.
Já vos disse que sou meio distraída com pessoas certo? Fui contratada, para começar num mês de Outubro, como este. Trabalhavam lá duas pessoas, além do chefe.
Contem-me agora vocês. Como correu a vossa primeira entrevista de emprego?
Ainda estou hoje a tentar decidir se adorei ou se me senti parola. Era o Domingo solarengo das minhas 18 primaveras (literalmente, que nasço no mesmo dia da estação). Tinha decidido fazer só um almoço em família para os mais próximos; pais, avós, o par de primas favoritas...Tudo muito sossegado. Saí de manhã com o meu pai para ir buscar um leitão acabado de assar. Ainda tivemos tempo de ir beber qualquer coisa a um café onde a senhora me pergunta se eu fazia 13 anos (o que aos 18 representa um murro no estômago que tomei com muita graça e algum rubor nas bochechas). E lá fomos para casa. Já chegamos tardito e o meu pai pediu-me que subisse ao sotão e deixasse lá o leitão: íamos brincar com a minha mãe e dizer que afinal não havia leitão - uma pequena partida. E eu não percebi muito bem porque o faríamos, mas se é para gozar com alguém alinho sempre. Subi ao último andar, abri a porta do nosso sotão e SURPRESA. Grita um conjunto assustador de familiares e amigos, com direito a um primo afastado a tocar acordeão e a mãe dele no reco-reco. E eu de leitão na mão, encavacada. The joke's on you, Maria. Ainda hoje penso nesse dia com um misto de vergonha e agradecimento, sobretudo à minha mãe que foi quem mais dedo teve na organização, à minha irmã que supreendentemente não se chibou e ao meu pai que teve a difícil tarefa de me levar ao engano. E a imagem que tenho na cabeça não são os primos de Lisboa a fazer um concerto improvisado, o javali a sair no espeto, a caixa enorme e cheia de prendas que as melhores amigas da altura arquitetaram...mas eu mesma, toda encarnada, de leitão na mão.
Agora é a vossa vez. Como foi a vossa primeira festa surpresa? Própria ou para outrém?
Eu sabia que isto não era vida para mim. Os meus artistas favoritos estão quase todos mortos, logo não aparecem em festivais (pelo menos que se veja). Adoro ver concertos bem sentada e sentir o entusiasmo só por dentro, sem a cabeça no sovaco de alguém e pescoço muito estendido, a criar torcicolos internos, para conseguir ver as ponta da cabeça do cantor. Nunca fiz questão de gastar uma pipa de massa para ir mal vestida (porque tem de se levar roupa confortável, não é?) ouvir música em más condições - convidem-me para a tenda VIP e a história pode ser outra.
De maneira que sempre evitei os festivais de verão. Até ao ano passado. Sim, foi com 28 aninhos que me estreei nos festivais, mas juro-vos que não tem a ver com a idade: este bicho do mato também não teria gostado da ideia aos quinze.
Fui ao Rock in Rio ver os Arcade Fire (de quem gosto só moderadamente, mas tinha oferecido bilhetes a quem gosta mais), mas à hora que tocaram já estava exausta e a querer um sofá. Tinha frio. Queria um jantar decente. Queria andar naquela cena de rappel e pararam a fila porque fazia parte do espetáculo deles. Valeu pela companhia e, sim, pela experiência. Que não tenciono repetir.
E vocês? Qual foi o vosso primeiro festival de Verão? Qualquer concerto empoeirado também conta!
Nova rubrica, a puxar a participação, pode ser? Conto convosco? É que esta rubrica é o meu Big Brother pessoal para saber mais sobre vocês. Não quero cá gente em casa (no blog) que eu não conheço. Em troca eu também partilho a minha primeira vez, salvo seja. Também é um exercício de memória para, todos em conjunto, enxotarmos o Alzheimer.
#1 A Primeira vez que andei de avião Fui sozinha porque ia ter com amigos, que são quase família, a Paris. Tinha quinze aninhos. Pais e avós trouxeram-me a Lisboa, estacionámos e fomos almoçar do lado de lá do rio, antes de seguir para o aeroporto. Apanhámos o barco para Cacilhas (a que eu chamava sempre Cacelhas) e fomos ao peixe bom e marisco de um restarante que estou longe de me lembrar qual era. Quando voltámos à margem de cá o carro do meu pai tinha sido assaltado (esse e mais uma fileira deles). Levaram a minha mala de viagem e os iogurtes que a minha irmã pequena ia lanchar. Fiquei basicamente com a mochilinha que trazia às contas, a roupa que tinha no corpo e...o bilhete. O meu pai foi fazer queixa à esquadra, mas quase o prendiam a ele porque trazia o carro que estava em nome da empresa para onde trabalhava sem guias de transporte - o assalto era secundário. A minha mãe chorava baba e ranho e repetia que eu já não podia ir. Mas que raios, eu tinha o bilhete comigo! Vai daí segui viagem. A minha mãe, que não estava descansada, encontrou no aeroporto um par de senhoras velhotas que iam no meu avião também e pediu que me fizessem companhia. Obrigadinha, mãe. No avião ainda me consegui sentar sozinha, mas elas arranjaram maneira de trocar para vir para ao pé de mim. Oh sorte! No fim, e porque os telemóveis não abundavam na altura, quando cheguei, os amigos franceses só me diziam que eu tinha de voltar para trás, para buscar a mala nos tapetes. Ainda não sabiam que eu vinha mesmo sem bagagem. E eu vinha tão surda da pressão do avião que acho que não os ouvi durante uns três dias. The end.