[Encontrei o Fernando Pessoa numa parede da Herdade da Sanguinheira. Logo na sua-minha voz favorita que é a do pragmático pastor Alberto, de apelido Caeiro. Até nas fotos que gosto de rever, são as palavras que (me) ganham. Vou ali sentir o vento e já volto.]
Normalmente chamo-lhe “o bêbado”. Como quem disfarça o génio com a loucura (e o vício). E ele era mesmo – e sabia! Quando o acusaram de ser uma esponja, até replicou: que não era uma esponja mas sim o armazém de esponjas e o anexo ao lado.
Mas muito mais que isso era um artista, leitor e escritor, sonhador, fã do esotérico, até capaz de traçar a sina em horóscopo, um ser da noite, escrevinhador de pé, aproveitador de todos os pedaços de papel, um homem de família, amigo e conviva, um passeador da Baixo e do Chiado, um observador do quotidiano, um desiludido com a vida...
E tinha todo um mundo de pessoas dentro de si para lhe caberem todas estas facetas. A minha favorita sempre foi Alberto Caeiro, o mestre dos sentidos, cansado de pensar, o guardador de rebanhos que ditava as coisas tais como eram:
Da minha aldeia veio quanto da terra se pode ver no Universo...
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não, do tamanho da minha altura...
Nas cidades a vida é mais pequena
Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.
Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave,
Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para longe de todo o céu,
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar,
E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver.
Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos - Poema VII"
Ao morrer jovem , aos 47 bem contados, por culpa do vício, perdeu só duas das melhores sensações: a de ver a sua obra reconhecida por tantos (ele que sonhava ter sido publicado em Inglaterra ou ser o maior poeta português, em competição com Camões) e a de saber amar.