Senti-o como culpa pessoal - teria adiantado ter descoberto a sala antes? Teria feito a diferença eu não ter fingido que o meu cartão de estudante estava atualizado e ter pago só 5€ pelo bilhete?
Moro à volta dela há uns dez anos: primeiro de um lado, depois do outro. Estive para ir lá cerca de muitas vezes. Nunca fui. Filmes em exibição há 30 anos, imagine-se. No último andar a contar de cima de um centro comercial pequeno, antigo mas cuidado, com lojas de nicho. Muitos filmes europeus, mas também passam os da moda. Poucos de cada vez: duas ou três salas? A bilheteira cá em cima, os filmes lá em baixo.
Íamos a medo: esta sim seria a primeira vez. E se ninguém vai lá e é uma sala descuidada, com lixo, sei lá?...E se o ecrã não tem definição, o som não tem qualidade?...Que se lixe. Já é tarde para adiar outra vez.
A senhora pára a conversa com a menina da banca de revistas e entra na divisória para nos vender um par de bilhetes. Sem nos culpar por lhe interrompermos a sessão de codrilhice. Nós divertidos com aquela bilheteira sem filas, os lojistas à volta continuam a conversar amenamente uns com os outros.
Lá em baixo a porta da sala já está aberta e há ninguém para nos receber o bilhete. Entramos a medo. A sala simples e arrumada tem um perfume fresco. Não é mais pequena que as pequenas dos grande shoppings. Sem lugar marcado. Poucas pessoas espalhadas pelos melhores lugares. A maior parte das pessoas veio só consigo. A senhora da bilheteira espreita para reconhecer sentados todos os que lhe pagaram o ingresso.
E começa o Samba. Sem publicidade. Sem intervalos. Sem barulho de pipocas. Sem luzes de smartphones. E acaba o Samba.
Voltamos a pé, satisfeitos: o caminho desta sala de cinema para nossa casa pode fazer-se a pé e para mim isto é muito da felicidade. Voltaremos tantas vezes quando pudermos, ó Cinema Medeia do Fonte Nova. Sobretudo em noites de Verão, a pé, pela mão um do outro. Provavelmente, eu levarei um gelado que ele me oferece a caminho. Prometo que o devoro antes de entrar na sala, onde é proibido comer. Espera e vais ver.
...ver um filme brega no cinema e ir uma reunião dos AA?
Vamos até lá a olhar por cima do ombro, sabemos que não vamos fazer nada de errado (pelo contrário, até), mas há uma certa sensação de vergonha inerente e que está sobretudo na nossa cabeça. E, depois, entramos na sala e de repente estamos num espaço seguro: afinal estamos todos para o mesmo!
Admito que li e vi e - ah, o atrevimento - cheguei a gostar de: Harry Potter, o Crepúsculo, os Jogos da Fome, o tal do Grey. Não gostei de tudo, sobretudo nos filmes, e cheguei a desistir de alguns dos livros, mas não estupidifiquei a lê-los. Em nenhum deles procurei literatura clássica ou cinema alternativo: sabia ao que ia (fantasia e romances de cordel) e admito que também faz falta. É que só Kafka e física quântica também cansa.
[Há coisas em que ser do contra é fazer o mesmo que a maioria faz. Só que não admite.]
[Isto não é uma crítica ao filme. Sobre isso já disseram tudo.]
Portanto, fomos ver o filme de que todos falam. Afinal cheguei a ler o livro e já agora completava o ciclo. Levei o Moço, que não foi obrigado, mas foi sob a promessa de ver mamas no ecrã.
Enquanto lavava os dentes, antes de sairmos, fez notar que tinha de levar os óculos. Eu, solícita e a querer despachar-me, fui andando para a entrada e peguei nos óculos que lá estavam pousados.
Fomos para o digníssimo centro comercial, passámos à Hagen Dazs - porque ele adooora o café de lá (estão a acreditar que é por isso, certo?) e fomos para o cinema. Já sentados na nosso lugar da sala 4, trailers a bombar, ele pede-me os óculos. Eu estava muito ocupada a perguntar na página de Facebook aqui do tasco se alguém sabia se o filme tinha mamas e disse-lhe para os tirar da minha mala.
- Não estão aqui! - Estão pois.
Alcancei a caixa dos óculos, orgulhosa.
- Sabes que não são esses certo?
Se calhar - mas só se calhar - com a pressa, peguei na caixa dos óculos de sol e não os de leitura e afins.
De maneiras que houve mamas, sim senhor. E com os óculos de Sol postos numa sala escura, eram, de fato, 50 sombras de mamas.
Talvez tenha sido um boicote do meu subconsciente.
[Pronto, só uma nota sobre o filme: o ator que faz de motorista não era mais aquele que imaginariam como sendo o Grey? Um macho intimidante, em vez de um menino supé bonito com mommy issues?]
Íamos ver Anabelle, de terror, mas fui traída pela internet que me deu uma hora errada de início de filme. Assim, entre os poucos que estavam quase a começar, escolhemos o que tinha a melhor pontuação no IMDB (Gone Girl - Em Parte Incerta), receosos, porque durava umas impressionantes duas horas e meia - não seria um erro fácil de sacudir, caso o filme fosse uma desilusão.
Mas não me arrependo de ter visto este filme. Porquê? Porque merece um UAU?
Se não fosse porque tem o meu eterno-jeitoso Ben Affleck ou o divertido (aqui não tanto) Neil Patrick Harris - o Barney the How I Met Your Mother - ou porque tem o melhor e mais twisty-intrigante enredo que tive oportunidade de acompanhar num filme já vai para um bom tempo: que fosse porque à saída do cinema encontrei 5€ no chão do parque de estacionamento. Ah, pobre fica feliz com coisas simples...