Falhei todas as resoluções. Comecei o ano a viajar - literalmente, os primeiros quatro dias e mesmo debaixo de um temporal soube-me muito bem - acho que foi por causa da comida na Terceira. Ao longo do ano visitei duas ilhas portuguesas e uma italiana. Passei semanas de férias inteiras a preocupar-me. Passei semanas de trabalho inteiras a preocupar-me. Li muito, para cima de 50 livros (and counting). Li mais ebooks que livros em papel. Passei novamente o aniversário isolada e gostei novamente disso. Saímos do isolamento e não estava preparada para isso. Voltei a trabalhar no escritório. Voltei a trabalhar em casa. Trabalhei imenso, mas não foi o suficiente. Não fiz exercício e comecei a comer pior. Recebi rosas no aniversário de namoro e Osvaldinhos da Aipal no dia dos namorados. Perdi toda a vontade de fazer fosse o que fosse em casa - não estrelo um ovo há meses. Escolhi-me. Teve de ser. Senti-me culpada por dizer que não muito mais vezes. Escolhi-me. Teve de ser. Não repeti por erro. A Cátia fez um ano - a Cátia é a planta do Moço. Senti-me estranha por voltar a cinemas e restaurantes. Deixei de me sentir estranha por voltar a cinemas e restaurantes. Não deixei de me sentir estranha por estar com muitas pessoas. (Sempre senti?) Voltei a gostar de um filme do James Bond. Experimentei restaurantes novos e senti-me genuinamente feliz com isso. Fiz arborismo e quis desistir no final do percurso. Voltei a cortar o cabelo, quase a fazer dois anos. Ficou estúpido. Fiz uma sessão de coloração pessoal e descobri que as cores que mais visto não me favorecem. Senti-me sozinha. Senti falta de estar sozinha. Tirei o Invisalign. Continuei a vestir cores que não me favorecem. Saí de casa com blazer e sweat de capuz - em simultâneo. Fiz pouco. Fiz nada. Comecei o balanço do ano com a palavra "falhei". Acho que não faz mal admitir que não foi um bom ano. Acho que me sinto melhor só porque vai acabar. A falsa sensação de recomeço nunca fez mal a ninguém.
Passei a usar fatos de treino. Voltei a trabalhar quase integralmente em casa, coisa que tanto adoro. Passei menos horas na estrada e mais fins-de-semana em casa sossegada, mas foi preciso uma pandemia para isso. O meu maior medo não foi o Covid19. Tive saudades das pessoas, sendo que saudades é coisa que normalmente não uso. Não tive, no entanto, saudades de festas de aniversários e jantares de Natal com 675 pessoas em que ninguém realmente conversa com ninguém. Só mesmo dos amigos individualmente. Um a um, dois a dois. Contam-se pelos dedos as vezes que entrei em shoppings e supermercados e também fico bem sem nunca mais voltar, fazendo tudo online. Já não fico tão bem sem ir ao cinema - ontem encontrei o bilhete do Knives Out que vimos no dia 1 do 1 de 2020. Fiz mais chamadas e video-chamadas que no resto dos meus 34 anos e mesmo assim foram menos do que vocês, aposto. Li 42 livros, em vez dos 24 a que me tinha proposta e acho que o ano não acaba sem mais um, pelo menos. O meu favorito é um livro de banda desenhada, coisa que nunca pensei. Lavei latas de atum com lixívia e passei a descalçar-me para entrar em casa. Assumi que preferia apanhar covid do que não ter ajuda para limpar a casa. Voltei a ver o Livro da Selva. Fui promovida apesar de ainda sentir que nada sei. Juntei pessoas à equipa em ano de despedimentos. Até Março comi muito fora, depois cozinhei muito e descobri o meu bolo de laranja favorito, agora não quero fazer nada na cozinha. Comi talvez 50 vezes (talvez mais) a carbonara do Moço. Não tive o clássico (para mim) salame de chocolate no Natal, mas tive a minha avó. Em Fevereiro não fiz uma grande viagem porque "não dava jeito" - nunca mais deu jeito. Fui à Suiça, ao destino de voo mais barato, quando ainda se podia. Foi caríssimo para 3 dias e não me arrependo nada. Toda a gente fez mais exercício em casa e para sair de casa, mas eu tornei-me mais ainda uma batata e continuo a ser atleta do reviramento de olhos, única e exclusivamente. Cheguei ao fim de ano com aparelho e receita para óculos, voltei ao sétimo ano. O Moço adotou uma planta a que chamo Cátia e já durou mais do que qualquer vaso de salsa que eu tenha comprado. Trabalhei em 3 divisões da casa, sem contar a varanda. Uso batom mesmo em casa ou para sair de máscara, mesmo que ninguém veja. Tive a melhor notícia do ano - não é isso, seus chatos da porra. Não enviei mensagens de boas festas - quem é que querem enganar? Fui a uma despedida de solteira, sem que houvesse casamento. Trabalhei que nem uma moura e o trabalho tornou-se tão importante que nem me lembro que mais era importante. Apontei para mudar isso e não mudei. Escrevi menos do que devia, pela minha saúde mental. De falar não gosto. Escrevi um conto sobre a quarentena que ninguém leu - nem eu reli. Comecei a ouvir podcasts que nem uma louca. Joguei Home Design quase todos os dias desde que baixei a aplicação. Sinto que foi um ano perdido e isso não teve nada a ver com o coronavírus, mais com a minha inércia. Acredito com a certeza dos mais tolos que 2021 vai ser diferente, para melhor, só porque eu estou disposta que assim seja.
Passei a usar sapatilhas, que agora voltei a chamar de sapatilhas. Quebrei a tradição de escrever um post por dia no blog e senti os efeitos de escrever menos, ao ponto de chegar a instalar uma app de meditação (durou poucos dias) e começar um diário da gratidão (durou poucos dias). Experimentei Pilates e jurei ir mais do que as duas vezes que fui. Se é para ser honesta, senti-me desequilibrada, sem certezas, sem metas e falhar na relação comigo, fez-me falhar na relação com os outros. Preguicei nas pequenas coisas. Parece que depois de um ano em que tudo mudou tanto e me vi feliz com isso contra todas as expectativas, não soube como estabilizar. A culpa também foi de quem me fez duvidar de mim. Tentei reequilibrar-me com viagens, além dos muitos quilómetros a percorrer o país para ver famílias e amigos. Fomos à Islândia, às Ilhas Baleares e ao Brasil. Soube-me a pouco. Mostrei-vos as viagens (e tantas outras minudências dos dias) no canal por onde ando cada vez mais (andamos todos), o Instagram. Ganhei novos sobrinhos e continuei a ser martirizada por não ter um filho (a sogra diz que tem de ser uma filha), de forma crescente, em proporção à idade. Conheci mais do meu país, atravessei os passadiços do Paiva e apaixonei-me mais pela minha nova cidade. Comi leitão – ainda não adoro. Pedi pipocas no cinema – ainda não gosto. Perdi a paciência para as pessoas no geral. Ouvi mais música sertaneja num mês do que no resto da vida toda. Percebi (lembrei-me) porque gosto tanto de algumas pessoas em particular. Li mais do que no ano passado e menos do que queria. Tive o meu primeiro calendário do advento que não era de chocolate. Pela primeira vez achei que exagerámos nas prendas de Natal. Não tenho resoluções para o ano novo e desta vez isso está a incomodar-me um bocadinho.