Gosto muito de ir ao teatro, apesar de não ir com muita frequência. É caro, é verdade, e já apanhei umas secas monumentais, pelo que tento investir com cuidado nesta fatia de cultura.
E se eu vos disser que pela módica quantia de 10€ podem ver a melhor peça de teatro de sempre? Cujo nome comprido não deixa adivinhar como é um espetáculo cómico, divertido, de improviso, enquanto conta a história de 37 obras de um dos escritores mais famosos do mundo? Falo d'As Obras Completas de Shakeaspere em 97 Minutos.
A primeira vez que vi foi no auditório da minha faculdade há para aí dez anos atrás (OH MEU DEUS estou tão velha) e ainda me lembro de como eles pegaram num dos professores mais respeitados lá da escola para brincar ao longo da peça. Para eles era "o velho". E mesmo sabendo das temíveis consequências que gozar com ele podiam trazer, não conseguimos segurar as gargalhadas.
Se para vocês não chega eu dizer que esta foi a peça de teatro que mais gostei ao longo de toda a minha vida (e vou rever no Domingo), espantem-se com os números que falam por si: está em cena desde 1996 e já teve mais de 300 mil espetadores! Primeiro no Teatro Mário Viegas, depois a percorrer o país e agora, de vez em quando, em períodos curtos num palco. Desta vez está no Tivoli, em Lisboa, até dia 15 de Fevereiro.
Novo acessório essencial para primeiros encontros: fita métrica. Isto porque estive aqui a tentar olhar para os meus próprios dedos e não consigo ver assim à vista desarmada a diferença de comprimento entre o anelar e o indicador - o que se torna essencial à luz das últimas descobertas.
Como foi agora revelado, em mais um grande breakthrough científico, "as pessoas com o dedo anelar mais longo que o indicativo da mesma mão têm mais tendência para o adultério".
Uma ferramenta de observação científica que nos faz dispensar a verificação de batom nos colarinhos, os longos cabelos louros pespegados aos casacos de tweed, ou o contacto registado como "Zé Manel" que lhe manda sms com horas e locais de encontro regularmente. Desde que o dedo indicador seja mais longo, podemos ficar descansada(o)s.
O vestido não era aquele. Era o primeiro. Ela sabia que era o primeiro que tinha experimentado.
A mãe disse-lhe que tinha demasiada roda, a sua melhor amiga de sempre disse que o corpete estava muito justo. Mas era com aquele vestido que nem sequer lhe assentava assim tão bem que ela sentia que podia ser feliz no dia marcado. Caminhar até ao altar com olhos de juízo sobre ela. Arrastar a cauda por entre as mesas dos convidados. Dançar até cair.
Pediu ajuda para desapertar o vestido de cauda de sereia que envergava agora. O que era como uma luva no seu corpo, mas ela não sentia seu. O tom deste vestido era quase cinzento. Uma sombra.Sem mais sombras.
- Filha, vamos embora?
Que disparate, o vestido ainda não estava escolhido. Pois se não a deixavam levar o primeiro e nenhum dos outros lhe agradava, a tarde ainda não estava feita. Teimosa que era.
Mas ele sempre gostou disso. Queria aliás casar-se com aquela casmurra, que não escondia que o era. Ficou apresentada logo no primeiro jantar. Rejeitou as tentativas dele que a queria levar a um restaurante panorâmico junto ao castelo. Tão cliché! Insistiu na pizzaria do bairro onde acabaram a comer mal e a pagar bem. E ela mastigava cada bocado de mozzarella quase crua com fingida satisfação - eu gosto assim! dizia ela. Não gostava, claro. Riram-se disso mais tarde. Riram-se disso a cada ano naquela data. No ano seguinte, no restaurante panorâmico a que ele queria tê-la levado. Dois anos depois, a brindar à casa que tinham acabado de comprar. No outro a seguir, já meses depois de descobrirem a doença que o estava a comer, mas com acompanhamento de sorrisos esperançosos - ele careca, ela com o cabelo mais curto que alguma vez tinha usado. E no ano anterior, com um pedido de casamento a acompanhar - o anel na taça de champanhe. O primeiro cliché que a fez assim tão feliz.
A senhora da loja, paciente, trouxe mais alguns vestidos, parecidos com o primeiro que ela tinha adorado. Não sugeriu fazer arranjos no primeiro, mas continuou a trazer-lhe vestidos com saia volumosa.
A mãe e a amiga, sentadas. Não tão pacientes. A perguntar-lhe se não chegava já.
Ela, de sorriso aberto, a rodar a aliança no dedo, entusiasmada com a descoberta de cada tecido, renda, corte.
- E os véus? Posso experimentar com este vestido? Quero ver como fica de véu e grinalda.
O Luís dizia-lhe todos os dias como a queria ver de véu e grinalda. Mais uma expressão cliché. Ele era tão cheio de clichés e ela amava-o tanto. Não se imaginava a passar a vida com ninguém mais, por mais original, diferente, excêntrico que fosse. Ele passava-lhe os lábios ao de leve na face e perguntava num sussurro "quando é que te vejo de véu e grinalda?". Os planos para o casamento iam ficando para trás, à medida que era a doença que avançava.
Não fazia mal. Enfrentariam tudo. Venceriam tudo. Seriam felizes para sempre. Mesmo agora que ele já não estava, ela sentia que o amor deles tinha sido para sempre. Naquela mão cheia de anos tinham sido felizes para sempre.
Não mudaria nada. Nem aquele primeiro jantar intragável. Nem aquela visita à loja de vestidos, já fora de tempo. Ele queria vê-la de véu e grinalda. E ela sabia que ele estava a olhar.
Daqui a nada o passatempo está a acabar. Já tenho participações que são uma vergonha (o que se pretendia, no fundo), mas tenho fé que vocês conseguem pior.
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Fiquei hoje a saber que devemos usar tesouras diferentes para materiais diferentes. Ter uma só para cortar papel, outra para tecido, outra para...enfim, já perceberam a ideia. Isto porque as espessuras e rugosidades diferentes do material cortado moldam a lâmina da tesoura - depois se for utilizado para uma espessura e rugosidade diferentes a performance já não será a mesma.
Lógico, parece-me. Mas não fazia ideia desta especialização das tesouras. Que se doutoravam em determinadas áreas. Que tinham profissões, no fundo. No caso, atribuídas por nós, mas quem sabe não teriam também carreiras de sonho?
Uma tesoura aparentemente tímida pode ter vocação para stripper e só querer cortar alças de soutiens e fazer recortes em boxers.
A vossa tesoura usada para papel pode ter como o desejo secreto seer costureira e só cortar pano.
As minha tesouras não se podem queixar: estou a dar-lhes ensinamentos para a vida: aviam tudo o que eu precisar e acabou-se. Com esta polivalência, mas sem especialização nenhuma...estão mesmo prontinhas para ter sucesso no mercado de trabalho dos dias de hoje. É que a tesoura com mestrado já deve ficar cara à entidade empregadora.
Há quem tenha déficit de atenção. Cá por casa há excedente. Há aquelas pessoas que não se ligam em nada, não estabilizam o foco, não se deixam prender em coisa nenhuma.
Depois há o Moço. Se eu, a meio de um zapping, deixar a TV num documentário a preto e branco, que já esteja a meio, sobre a vida reprodutiva das lulas anãs (em sueco e dobrado em coreano, sem legendas)...ele fica a ver com a maior atenção do mundo.
[Isto só joga a meu favor. Tem-me como uma pessoa interessantíssima.]