Ninguém abre os olhos para esta causa. Ninguém cria uma linha de apoio. Ninguém marca blogger anónimos na consignação de solidariedade do IRS. Mas a luta é real.
O blogger anónimo não pode ganhar uns trocos pintando os beiços com a nova gama de maquilhagem ou os óculos de sol da Vitom, porque não pode mostrar a cara.
O blogger anónimo só tira fotos de costas, o que é uma fortuna em calças, que nunca podem estar coçadas no rabo.
O blogger anónimo vive incompleto por não poder usar o filtro de orelhinhas de cão nos Stories, que é revelador de identidade.
O blogger anónimo não pode ir a eventos da Boticário (e não é só porque não foi convidado!).
O blogger anónimo nem pode ser levado para cativeiro no zoológico para preservação da espécie, porque ninguém pagaria para ver uma figura com uma máscara de emoji a tapar a cara.
Face a todas estas dificuldades, muitos optam pelo caminho da fronha a descoberto. Os efeitos são nefastos. E não falo de olhar para pessoas feias, porque hoje em dia toda a gente sabe que não se usam sacos de plástico para comprar fruta e a beleza está no interior. Mas o grau de realidade cai a pique. Toda a gente sabe como é mais fácil a prática de dizer-o-que-vai-na-telha quando ninguém sabe bem quem fala. Os comentadores anónimos que o digam. Há muito hater com nome que também é elefantezinho em loja de cristal, mas os anónimos gostam mesmo de partir a louça até ao último caco.
A vós, resistentes do anonimato na web, um conselho para a vida: mesmo sob a capota, nunca devem escrever nada que o vosso pai ou o vosso chefe não pudessem ler.
Às vezes só nos tornamos sensíveis a uma causa quando ela nos é próxima, mesmo que em boa verdade não saibamos o quão próxima ela pode estar. Olhamos de lado as estatísticas que dizem que x em cada x pessoas passarão por determinada doença. Sabemos que na lotaria da vida as coisas não funcionam como dizia aquele rapaz no café: se vejo uma pessoa comprar 5 raspadinhas, compro outras 5, porque dizem que uma em cada dez raspadinhas tem prémio.
Então, num exercício de pseudo-defesa inconsciente, evitamos pensar nisso (na possibilidade da doença, não do prémio da raspadinha). E certas doenças passam a ser tabu. Os seus nomes passam a ser palavrões. Repitam comigo: demência.
O conhecimento é o primeiro passo para a prevenção. O conhecimento é que constitui uma forma de defesa. E tão importante como isso: é o primeiro passo para que possamos compreender e ajudar quem sofre de demência (esse palavrão, ao qual temos mesmo de perder o medo). Hoje, a ALZHEIMER PORTUGAL lança a fantástica campanha #amigosnademência, que nos obriga a recordar como a pessoa é mais do que demência.
Vejam o vídeo depois do registo no site Amigos na Demência. Vamos todos aprender qualquer coisa hoje?
Quando a aleatoriedade do Universo (ou Deus, se preferirem) me fez existir, esqueceu-se de me por num berço dourado. Pôs-me num berço fofo com bordados à mão da minha avó, rodeado de carinho e boa vontade e isso já não foi nada mau, dizem as boas línguas que até será melhor. Mas de ouro, só mesmo umas pulseiritas finas no batizado e um fio daqueles com o primeiro dente que me caiu atarrachado que me ensinaram a estimar como um tesouro e por isso permaneceram sempre guardados.
Talvez seja por isso que consigo apreciar pequenas vitórias como poder ir ao supermercado e comprar pacotes de bolachas que não estavam na lista. Lembro-me muitas vezes, enquanto encho o cesto ou o carrinho, que nem toda a gente o pode fazer. Juro que lembro.
E talvez pouca gente acredite nisso, porque se houver alguém a pedir para uma iniciativa qualquer que não conheço (crianças, idosos, doentes, animais abandonados, piolho dos cactos...) à porta desse mesmo supermercado, nego a ajuda sem pudor. Isso não está relacionado com egoísmo puro, ou a impossibilidade de contribuir para todas as causas: tem a ver com descrença. Não sei quem organizou aquilo e para onde vai.
A não ser que reconheça muito bem a entidade/instituição (Banco Alimentar, Operação Nariz Vermelho, e poucas outras) não penso duas vezes antes de recusar. Mesmo a essas prefiro dar de forma organizada, quando posso, por via online, em vez de em emboscadas locais. E peço imensa desculpa por isso, por esta veia de São Tomé, que certamente me impede às vezes de contribuir para causas legitimas, dentro das minhas possibilidades. Mas a verdade é que a honestidade é cada vez mais rara. Raríssima.